A vida depois de… ter o destino transformado por uma pamonha
Aos 5 anos, Fernanda Micaelle foi diagnosticada com leucemia e encontrou na pamonha um aliado no tratamento. Hoje, com 31 anos, ela tem no quitute o sustento familiar e chegou a inaugurar um drive-thru de pamonha
atualizado
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No dia 15 de março de 1990, o Brasil estava em festa com a posse de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo povo após um jejum de eleições presidenciais desde o golpe militar de 1964. Enquanto Collor vestia a faixa presidencial, Marli Aparecida dos Santos estranhava a quietude de sua filha Fernanda Micaelle Santos, que estava amuada em um canto, sem interagir com ninguém em uma animada festa de família no Gama.
Conhecida pelo jeito sapeca e espevitado, Fernanda, de 5 anos, estava quieta como nunca estivera. A mão de Marli confirmou a febre da pequena e as duas correram para o posto de saúde achando que era uma inflamação de garganta corriqueira. Com a bolsa no braço para se despedir do trabalho, a médica de plantão resolveu atender a criança e estranhou os sintomas. A orientação imediatada era de que a mãe a levasse o quanto antes para a oncologia do Hospital de Base porque aquela febre não parecia a de uma gripe comum.
Algo não cheirava bem e Marli não esperou um segundo. Seguiu rapidamente para o Hospital de Base e foi atendida por Isis Magalhães, oncologista pediátrica, hoje diretora técnica do Hospital da Criança de Brasília. O diagnóstico foi certeiro: leucemia linfoide aguda, um tipo de câncer muito comum em crianças.
Os primeiros sintomas tinham surgido meses antes, com manchinhas roxas pelo corpo de Fernanda, que foram confundidas com a danadice da pequena. “Eu era muito arteira, então vivia me machucando. Era natural que eu tivesse tantas manchinhas roxas”, lembra sorridente a jovem empresária que tem um rosto delicado, emoldurado por longos cabelos loiros.
O diagnóstico difícil foi recebido com dor pela família por mais um agravante. Enquanto Marli cuidava da filha na ala infantil, ela se dividia em duas para cuidar também do pai, Abelardo dos Santos, que sofria de um câncer de estômago e veio a falecer pouco tempo depois. A jornada dupla fez com que ela abandonasse os bicos que fazia com serviços gerais e se dedicasse exclusivamente aos cuidados dos dois. A imersão foi tão intensa, que Marli chegou a trabalhar com a Abrace dentro do próprio hospital.
Entre idas e vindas para o hospital, retiradas de dezenas de tubos de sangue, sessões de quimio e de radioterapia, Fernanda Micaelle aos poucos perdeu o paladar para a maioria das comidas e tudo causava náuseas. Foi aí que surgiu a pamonha. Quando a menina colocou o quitute feito à base de milho na boca, ela sentiu uma felicidade enorme e o enjoo foi embora. O alívio da mãe em ver a filha se alimentando fez com que ela comprasse pamonha sempre que o dinheiro sobrava.
Para saciar o desejo da menina, a mãe decidiu colocar a mão na massa. Nascida em Vilas Boas, um distrito do município de Guiricema, em Minas Gerais, Marli não tinha intimidade alguma com a iguaria. Preparou sua própria receita com o pouco que aprendeu, fez uma grande quantidade e distribuiu para os vizinhos e familiares. A filha aprovou e a vizinhança também. O sucesso estava garantido.
O milho é muito rico. Eu me recuperava muito mais rápido do que todas as outras crianças que estavam fazendo o mesmo tratamento que eu. Tenho certeza de que a pamonha ajudou a me curar
Fernanda Micaelle
Durante os dois anos do tratamento de Fernanda no Hospital, Marli e o esposo José Wagner Frederico colocavam algumas pamonhas em um isopor e vendiam de boca em boca. Assim, fizeram a festa dos pacientes e médicos do Hospital de Base. Jogando bola, José Wagner conheceu um dos sócios do Planaltão, um dos principais supermercados de Brasília na época.
Surgiu, então, o convite para vender a pamonha na unidade do Gama e depois nas demais cidades. Com a filha curada, Marli e José Wagner se debruçaram na produção em larga escala para atender todas as demandas dos mercados. Foi criada assim a Pamonha Caipira, marca que saiu das estufas dos mercados e hoje tem três lojas próprias: no Gama, no Taguatinga Shopping e na 414 Sul, onde eles atuam com um drive-thru de pamonha que funciona de segunda a sábado, das 14h às 22h.
Hoje, o casal está separado, mas o negócio continua em família. Fernanda Micaelle está à frente da empresa ao lado da mãe, da irmã, de tios e de primos. O que começou como uma forma de aliviar um tratamento duro, atualmente é o sustento de toda uma família.
A força adquirida por Fernanda pela pamonha pode ter dado ainda uma ajudinha extra em outro campo. Quando ela tinha 11 anos, ela foi convocada para ir ao Hospital de Base investigar se o seu corpo tinha alguma sequela do tratamento contra o câncer. Após inúmeros exames, a saúde estava perfeita, exceto por um problema com fertilidade, que dificultaria uma futura gravidez.
Além disso, Fernanda tinha ovários policísticos e iniciou o tratamento com pílula anticoncepcional. Aos 27 anos, reclamando de gases fortes, veio uma surpresa inesperada: Fernanda estava grávida de sete meses e meio de Ana Julia, uma menina que nasceu cheia de saúde.
Pode ser que a “Juju” não tenha sido fruto de nenhum milagre vindo da pamonha. Mas, adivinhem só, ela ama o quitute. “Minha vida sempre foi assim, cheia de surpresas, com muitas bençãos. Qualquer ‘problema’ que venha, a solução é sempre muito mágica”, emociona-se a jovem empresária que teve o destino transformado por uma receita simples: amor somado a, claro, muita pamonha.