A comovente história de um pai solo que perdeu a mulher para a Covid
Após perder a mulher para a Covid-19, André Rodrigues e o filho Augusto, de 1 ano, redescobrem juntos a paternidade
atualizado
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Desde pequeno, André Santos Rodrigues cresceu ouvindo do avô que “a maior riqueza de um homem são os seus filhos”. Para o brasiliense de 30 anos, a paternidade sempre foi um sonho. Mas, este ano, o plano foi ressignificado quando a mulher, Kerolainy Rodrigues, foi mais uma vítima da Covid-19. Ele e o filho do casal, Augusto, de 1 ano e 7 meses, encontram um no outro diariamente a força necessária para seguir em frente.
A dor da perda é grande, e o episódio recente leva lágrimas aos olhos de André sempre que ele fala no assunto. Kerol, como era carinhosamente chamada, faleceu em 6 de junho por conta das complicações da doença, depois de resistir bravamente por quase três meses de internação. Apaixonada pela vida e “com a habilidade de transmitir amor apenas pelo olhar”. É assim que ele descreve a companheira, de quem teve que se despedir de forma precoce.
A história de André e do pequeno Augusto é compartilhada por milhares de famílias no Brasil e no mundo. Mais de 560 mil brasileiros foram a óbito em decorrência da doença no país, e a impossibilidade que muitos viveram de não poder dizer um último adeus se tornou gatilho para um processo de luto complicado.
“Mesmo sendo uma perda muito grande, essa é uma fase de transição — entre a ausência dessa pessoa, e a forma de quem a perdeu de encontrar um novo sentido”, adianta Jales Barreto, psicólogo clínico. “É um momento de se adaptar à nova realidade, e encontrar forças para seguir adiante”, completa.
Para André, seu grande apoio está na criança, que mesmo tão pequena, sempre corre para o seu colo em busca de um aconchego. Cada pequeno momento é memorável — desde a hora em que ele bate as duas mãozinhas em busca de aprovação do pai quando faz algo correto, até quando vai dormir, sempre sob suas costelas, embalado pelo som das batidas do coração da figura paterna.
Sonhar juntos
“Eu luto, diariamente, para poder perguntar ao meu filho: qual o seu sonho? Papai está aqui para sonhar com você”. Na visão do educador físico, paternidade é um vínculo que vai muito além de “colocar comida no prato”.
De origem humilde, André conta que viveu com um pai presente, mas focado em trabalhar para que não lhe faltasse nada. “Ele era alguém meio inalcançável para mim, por isso eu nunca o vi como um grande amigo”, lembra. A experiência fez crescer forte o desejo de ser “para o filho tudo que o pai dele não conseguiu ser”, e de encorajá-lo a ter os próprios sonhos.
Na lista de aspirações, quando perguntavam a André criança o que ele queria ser quando crescer, a resposta era a mesma de muitos meninos apaixonados pelo esporte: jogador de futebol. Mas, as circunstâncias, principalmente financeiras, dificultaram o processo.
A vontade de ser atleta, mesmo sem apoio, seguiu sendo parte da trajetória, e ele conseguiu uma bolsa para cursar educação física em uma faculdade particular de Brasília. Enquanto isso, o brasiliense tocava um estágio na área, as aulas e os treinos. Até que a situação ficou insustentável, e André precisou deixar o futebol de lado.
“Um momento muito marcante, para mim, foi quando eu descobri que queria ser professor”, ressalta. A decisão foi tomada durante um estágio, enquanto ele foi designado para cuidar de uma criança que tinha sofrido um afogamento e tinha muito medo de água. Tempos depois, com carinho e dedicação de André, a menina conseguiu cruzar toda a piscina nadando, e com alegria nos olhos, destinou ao professor seu agradecimento.
“Embora a profissão não tenha o retorno financeiro que gostaríamos, o reconhecimento de formar um cidadão, e ver uma criança se desenvolvendo é o que me move”, garante o profissional da Secretaria de Educação de Goiás.
Paixão vascaína
A paixão pelo futebol é tão importante na vida dele que foi assim que os caminhos de André e Kerol se cruzaram. Vascaínos apaixonados, o casal se conheceu em um sítio usado como ponto de encontro da torcida organizada. “Eu estava conversando com um amigo, e do nada chega uma moça radiante, cheia de tatuagens, que eu nunca tinha visto na vida. Ela nos deu bom dia, e eu nem consegui acreditar que ela estava olhando pra mim. Eu, todo bagunçado e vindo da academia”, brinca. “Esse foi o nosso primeiro contato.”
Depois, as coisas foram se encaminhando rapidamente. Dali a seis meses, eles já estavam se preparando para subir ao altar. “Deus sabe de todas as coisas, e agora eu sei que a carreira de atleta não deu certo, para que eu ganhasse o presente que é a minha família hoje. Agradeço por cada segundo que eu tive com ela, durante esses seis anos de convivência”.
Nas feições do filho, André também enxerga as características que mais amava em Kerolainy. “Hoje eu sou pai desse garoto lindo, que a cada dia que a se parece mais com a mãe dele. O jeitinho de olhar e de se expressar”, orgulha-se.
Responsabilidade dupla
A falta da mãe na criação do filho, porém, sempre será sentida. Mesmo com tão pouco tempo, o pai relata que sente o peso de não ter com quem dividir tamanha responsabilidade.
“Eu sempre vi nosso papel como pais como algo a ser dividido. Hoje, tendo que tomar algumas decisões sozinho, sinto que o peso do mundo está sobre mim. Até a decisão de escolher uma escola, por exemplo. Sempre me pergunto: será que a Kerol ia gostar dessa?”, compartilha.
Felizmente, todo o amor que a matriarca da família deixou como legado, também se reflete no carinho e atenção que estão sendo destinados ao pai e ao menino. “Ela era muito amada, e agora podemos contar com uma rede de apoio muito grande, disponível e sólida”, comenta André, agradecido.
Na visão da psicóloga clínica Jéssika Néris, o papel da rede formada por amigos e família é fundamental. “Mais do que nunca essa família precisa de apoio. Transformar a dor em algo ativo é parte da superação da perda”, pondera.
O psicólogo Jales Barreto concorda: “Além de estabelecer novos papéis nessa dinâmica familiar, o vínculo entre pai e filho também pode se tornar mais forte, dependendo da forma como esse processo for conduzido”.
Com o apoio de pessoas queridas e próximas, André e Augusto vivem um dia de cada vez. Durante a semana, o pequeno fica com a avó e adora assistir ao desenho infantil Patrulha Canina, enquanto aguarda ansiosamente o fim do dia, quando André retorna do trabalho para recebê-lo correndo de braços abertos.