Marcel Gautherot: o fotógrafo que todo brasiliense deveria conhecer

Todos os moradores de Brasília deviam saber quem foi Marcel Gautherot (1910-1996), o fotógrafo francês que mostrou a alma da nova capital do Brasil ao mundo. As suas imagens trazem a perspectiva da construção da cidade a partir da contradição entre o homem-operário e o monumento erguido. São obras de arte, aliando ética e estética.

Fiquei diante de uma imagem de Gautherot em Salvador, na Casa do Rio Vermelho, onde morava o casal Jorge Amado e Zélia Gattai . Não conhecia Brasília. Estávamos nos anos 1990 e Zélia gostava de contar que o jovem fotógrafo se interessou pelo Brasil depois que leu, em francês, o romance “Jubiabá”, escrito pelo nosso consagrado escritor baiano.

Lembro-me da imagem. Homens, como formigas, em torno de uma arquitetura branca, que me remetia à dança de uma onda. Não sei ao certo, hoje, qual seria o monumento porque havia um recorte no olhar de Gautherot capaz de nos lançar para uma outra dimensão.

Marcel Gautherot lidava com arte e não com o mero registro fotográfico. Graças à sua sensibilidade artística, podemos entender a construção de Brasília por outros caminhos que não o da propaganda governamental. Ele foi um dos contratados oficialmente para fazer o mapeamento da cidade. No entanto, transformou tudo em arte.

Gautherot inseria a perspectiva do homem na construção monumental. Trabalhava com o conceito de linha de horizonte (fundamental para o projeto de Lúcio Costa) e criava imagens que não poderiam ser vistas cotidianamente. Orquestrava sombras, luz, perspectivas e ações humanas compondo quadros com status de obras de arte.

Diante dos monumentos imponentes, ele alinhou a câmera e buscou detalhes em outras composições de imagens em preto e branco. Fragmentos que ganharam sentido vistas junta à paisagem. Nessa linhagem, havia a busca por uma estética rompedora de limites.

Em Brasília (de 1955 a 1960), as quatro mil fotos impressionaram tanto Lúcio Costa que ele o apelidou de “O Mais Artista”. Aliou-se ao projeto artístico de Burle Marx e Oscar Niemeyer. Com profundo apuro ético, buscou não só registrar a beleza da cidade monumental, mas as favelas que se erguiam em sua volta. Suas fotos são janelas de entrada para outra percepção do cotidiano. Diante disso, Carlos Drummond de Andrade o batizou como:

Um dos mais notáveis documentaristas da vida nacional.

Carlos Drummond de Andrade

irador declarado de Manuel Álvarez Bravo e Henri Cartier-Bresson, Gautherot chegou ao Brasil em 1939. Foi para a região Norte e contraiu malária. Instalou-se, ano seguinte, no Rio, onde conviveu com uma elite de intelectuais modernistas. Morou no país por 57 anos e trouxe na bagagem um portfólio de imagens espetaculares do México, com as presenças humana e arquitetônica em primeiro plano. O olhar humanista vem da infância pobre em Paris. Era filho de operário e costureira. Mas se sofisticou com alguns estudos sobre arquitetura na juventude.

Uma pessoa que não entende de arquitetura não é capaz de fazer uma boa foto.

Marcel Gautherot

No Brasil, mais de 25 mil negativos estão sob tutela do Instituto Moreira Salles, adquiridos em 1999, três anos depois da morte. O seu nome está escrito na fotografia mundial, mas apagado da história da capital. Não há uma sala sequer dedicada ao seu trabalho. Uma pena. Aprendemos muito sobre Brasília ao olharmos cada imagem de Marcel Gautherot. Ele percebeu que uma joia da humanidade se erguia no interior do Brasil bem antes da cidade existir e ser, posteriormente, declarada Patrimônio da Humanidade.

Conheça a obra de Marcel Gatherot no site do Instituto Moreira Sales