Número de fumantes no Brasil aumenta pela primeira vez em 20 anos
Popularidade dos cigarros eletrônicos entre jovens desafia conquistas históricas de combate ao tabagismo e ao uso de vape no país
atualizado
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Dados divulgados pelo Ministério da Saúde por causa do Dia Mundial Sem Tabaco, lembrado neste sábado (31/5), revelam que o número de fumantes no Brasil cresceu 25% em 2024, voltando ao patamar de 2012. É a primeira vez, nos últimos 20 anos, que o número sobe acima das margens de erro, e a culpa pode ser dos vapes.
O número de fumantes, que em 2023 era de 9,3% dos adultos, chegou a 11,6% segundo os dados mais recentes do governo. O hábito é mais comum entre homens (13,8%), mas que também tem crescido entre as mulheres (9,8%).
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles indicam que um dos grandes responsáveis pelo avanço do tabagismo no país é o cigarro eletrônico. Apesar de serem proibidos, os vapes circulam amplamente, atraindo especialmente adolescentes, com sabores e formatos chamativos que mascaram sua toxicidade.
“A introdução do cigarro eletrônico trouxe um risco real à saúde pública do país, e esses resultados podem nos acompanhar muito tempo, especialmente porque jovens são os mais suscetíveis ao início do vício”, diz o pneumologista Ricardo Amorim, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Problemas de saúde relacionados ao uso prolongado de vape
- Doenças pulmonares crônicas: são comuns casos que incluem bronquite crônica e enfisema, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e fibrose pulmonar.
- Problemas cardiovasculares: o consumo frequente causa aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, maior risco de infarto do miocárdio e AVC e danos nos vasos sanguíneos.
- Efeitos neurológicos: usar vape por muito tempo causa dependência da nicotina, alterações no cérebro em desenvolvimento, aumento da ansiedade e irritabilidade.
- Risco de câncer: a exposição a substâncias presentes no vape podem levar ao desenvolvimento de cânceres.
- Doença pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico (EVALI, em inglês): lesão pulmonar causada pelas substâncias contidas no vape e que pode deixar sequelas permanentes.
Nova geração de dependentes
Estudos recentes indicam que mais de 25% dos estudantes brasileiros do ensino médio já experimentaram cigarros eletrônicos. O apelo visual e os sabores variados tornam o dispositivo atrativo, escondendo a presença de doses de nicotina até 120 vezes maiores que as do cigarro comum.
“É muito provável que estejamos formando uma nova geração de tabagistas pelo alto potencial viciante destes dispositivos”, alerta o pneumologista Rafael Rodrigues de Miranda, professor do Grupo MedCof, de formação de médicos para a residência.
Para Miranda, assim como para as outras fontes ouvidas, o crescimento descontrolado ameaça a posição do Brasil como farol internacional das campanhas antitabagismo. “O Brasil ainda é referência mundial no controle do tabagismo. No entanto, esse status está sendo desafiado por novas ameaças, como os dispositivos eletrônicos para fumar, fazendo com que, infelizmente, tenhamos um aumento no número de tabagistas”, diz.
Ameaças ao exemplo brasileiro
No Brasil, a partir da década de 1990, uma série de políticas públicas eficazes, como a proibição da propaganda de cigarro, a adoção de advertências nos maços, o aumento de impostos e a criação de ambientes livres de fumaça, levou a uma progressiva queda do consumo de cigarro.
O uso dos vapes, porém, escapou dessas medidas por não ser percebido por boa parte da população como um cigarro e por não conter tabaco. No início de sua história, há 10 anos, acreditava-se que eles eram menos nocivos, o que hoje se sabe que é mentira.
“Os dispositivos eletrônicos estão associados a riscos significativos para a saúde cardiovascular e pulmonar. Embora contenham cerca de 50 substâncias cancerígenas, em comparação com as mais de 5 mil encontradas nos cigarros tradicionais, ainda é cedo para afirmar que oferecem menor risco de câncer. Além disso, há o risco de uma condição pulmonar grave e específica relacionada ao uso desses dispositivos: a evali (lesão pulmonar associada ao uso de cigarros eletrônicos ou produtos de vaping)”, resume a pneumologista Sandra Guimarães, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Impacto no sistema de saúde
Apesar dos avanços na compreensão dos riscos, ainda falta entender os efeitos a longo prazo e se o vape poderá ser classificado como agente cancerígeno, uma vez que o câncer de pulmão se desenvolve lentamente.
“Ainda não há estudos definitivos em humanos sobre câncer, mas os dados em animais já são claros, e os sinais de alerta são suficientes para desestimular o uso. Temos jovens morrendo. Precisamos aumentar a campanha de conscientização de forma bem estruturada para atingir vários segmentos da sociedade, mas principalmente os jovens, que são mais vulneráveis”, defende o presidente da SBPT.
Doenças como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) estão entre as principais preocupações dos médicos. Cerca de 90% dos casos estão associados à inalação de fumaças tóxicas dos cigarros, e as versões eletrônicas entram na lista. O uso combinado de cigarros e vapes quadruplica o risco de desenvolver enfermidades pulmonares em comparação com pessoas que fumam apenas o convencional.
Enquanto novas gerações adotam o dispositivo, as políticas públicas ainda caminham devagar. Especialistas defendem campanhas que envolvam escolas, redes sociais e influenciadores, além de regulamentação mais rigorosa sobre venda e propaganda dos vapes, que, embora proibidos, circulam livremente.
“É urgente ampliar a regulação, fiscalização e campanhas educativas específicas sobre os riscos dos cigarros eletrônicos para que não prejudiquemos mais uma geração de brasileiros com o vício da nicotina e com o efeito deletério destes dispositivos”, conclui Rafael.
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