Fadiga crônica: “Perdi a capacidade de rir ou chorar”, conta paciente
Brasiliense com síndrome da Fadiga Crônica sem ligação com a Covid-19 vem lutando contra a doença que não tem tratamento há seis anos
atualizado
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Os últimos seis anos e sete meses de Rubem Kaipper, 35, foram consumidos por uma doença que, antes da pandemia de Covid-19, não era muito conhecida. A síndrome da Fadiga Crônica, que hoje é associada principalmente à Covid longa, vem, aos poucos diminuindo a qualidade de vida do brasiliense, que ou de um jovem saudável para uma paciente que precisa de ajuda para tudo.
“Nesse período, fui perdendo a capacidade de viver plenamente, à medida que o esforço necessário para realizar tarefas cotidianas foi se tornando excessivamente desgastante, e criava um ciclo vicioso de aceleração da fadiga e do esforço requerido em cada tarefa”, conta, em depoimento escrito.
No começo, os primeiros sintomas eram muito cansaço — e ele ressalta que a palavra é apenas uma aproximação, já que não descreve a intensidade do sintoma. Ele relata que começou a sentir um “cansaço extremo e mal-estar prolongado e incapacitante”.
Neste primeiro momento, Rubem parou apenas com os exercícios físicos. Porém, com o ar do tempo, perdeu a capacidade de caminhar e, hoje, precisa de cadeira de rodas e acompanhamento de cuidadora para se deslocar. Não consegue mais falar, e só se comunica pela escrita. “Não consigo respirar fundo, rir ou chorar, ainda que não precise de e de oxigênio suplementar”, diz.
Rubem também não consegue se vestir sozinho, precisa ser acompanhado no banho e usa uma sonda para se alimentar. Tudo isso por uma doença que, apesar de já ser descrita há muitos anos, ainda é desconhecida de grande parte dos profissionais de saúde.
“Desde o começo da doença até hoje, tive contato direto e intensivo com profissionais de saúde – fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfermeiros, psicólogos, entre outros -, deixando patente o nível de desconhecimento sobre a patologia. Mesmo entre os médicos com extrema boa vontade e conhecimento da síndrome, poucos haviam tido contato com algum paciente”, lembra.
O diretor da regional Centro-Oeste da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Eduardo Uchôa, explica que o diagnóstico da síndrome da Fadiga Crônica é de exclusão: não existe um teste que determine a doença, e é preciso fazer vários exames para identificá-la. O caso de Rubem é gravíssimo e a causa ainda não foi desvendada. Nos casos de pacientes com Covid-19 que desenvolveram o problema, a evolução da doença nem sempre chega a esse estágio.
“Há uma certa dificuldade no reconhecimento e manejo dos sintomas pela falta de conhecimento e pela escassez de evidências nessa área”, conta o médico. Ele afirma que grande parte dos profissionais de saúde sequer consideram que o quadro possa ser síndrome da Fadiga Crônica.
Rubem conta que o processo inteiro de diagnóstico é muitíssimo difícil para o paciente. “É um processo via de regra longo, frustrante, desgastante, custoso e, por vezes, humilhante, face ao desconhecimento da enfermidade por parte dos profissionais de saúde e familiares”, afirma.
Em alguns casos, é recomendado que o paciente faça planos de reabilitação física que, segundo ele, precisam ser desencorajados, já que o esforço físico acaba exacerbando os sintomas e agravando o quadro.
Sem tratamento
Uchôa explica que as causas da condição são desconhecidas, mas podem incluir infecções anteriores, doenças autoimunes e desordens genéticas. Não existe cura: “O tratamento é dos sintomas, com avaliação para transtornos do sono, da dor, e avaliação psiquiátrica. Não é incomum que esses pacientes desenvolvam transtornos psiquiátricos, como depressão”, ensina o especialista.
A doença não costuma levar o paciente ao óbito, mas, como no caso de Rubem, pode trazer um importante prejuízo na qualidade de vida e, quando associada a outras condições, piorar ainda mais a situação do paciente.
Os principais sintomas da fadiga crônica são fadiga profunda, alterações do sono, dor e outros sintomas que costumam ser agravados pelo esforço, e a doença é mais comum em mulheres.
Rubem está sem médico no momento, por não ter encontrado um profissional que conheça profundamente a doença.
Luta da família
Apesar da situação complicada, a família de Rubem tenta chamar atenção da sociedade e do poder público para a doença — ele acredita que a educação dos profissionais de saúde e estabelecimento de protocolos de atendimento para capacitar os médicos a diagnosticar o problema mais rapidamente é essencial.
“Me parece que faz parte do caminho o acolhimento humanizado dos pacientes, buscando a desconstrução de eventuais noções preconcebidas a respeito da doença, uma vez que se trata de patologia de natureza orgânica, e não psicossocial ou psicossomática, e que, portanto, casos de ansiedade e depressão decorrem da enfermidade, e não o contrário”, escreve.
Na última semana, Mariana Ceratti, irmã de Rubem, esteve com os pais na Câmara dos Deputados para representá-lo em uma audiência pública para um projeto de lei que pretende estruturar serviços públicos de saúde, previdenciários e de formação dos profissionais de saúde para sensibilizá-los sobre a síndrome da Fadiga Crônica.
Ela conta que a pesquisa internacional também vem avançando, principalmente por conta da Covid longa, que chamou atenção para a condição. “É uma situação duríssima, mas temos motivos para ter esperança”, afirma.
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