Paulistas resgatados em Mianmar contam como eram forçados a dar golpes
Luckas Kim e Phelipe de Moura contam que eram obrigados a aplicar golpes virtuais. Brasileiros estavam entre alvos e 3 teriam sido vítimas
atualizado
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São Paulo — Os brasileiros Luckas “Kim” Viana dos Santos, de 31 anos, e Phelipe de Moura, de 26, eram obrigados a aplicar golpes virtuais enquanto viviam em situação de tráfico humano em Mianmar, no sudeste asiático. Após terem sido mantido reféns por três meses, os dois foram resgatados e retornaram ao país em 19 de fevereiro.
Em entrevista exclusiva ao Metrópoles, os dois contaram como era a rotina na “fábrica de golpes on-line” e a prática dos crimes digitais, detalhando o roteiro, metas e até estratégias utilizadas na ação.
Início do golpe
Luckas revelou que havia um grupo de etíopes que entrava em contato com as vítimas por meio da rede social TikTok. No aplicativo, os golpistas começavam a seguir os alvos, esperavam serem seguidos de volta e, então, mandavam uma mensagem.
“Oi, eu sou tal pessoal e estou buscando novas amizades, porém eu não uso muito o TikTok. Você pode me ar seu número de WhatsApp ou Telegram, para a gente continuar a nossa conversa?”, narrou Luckas.
A partir do momento em que esse grupo inicial conseguia esses números de contato, encaminhavam para os “times”. De acordo com Luckas, eram três equipes de pessoas em cárcere.
Neste momento, as equipes começavam uma conversa com essa pessoa, “como se fosse um novo amigo”. Essa ação já fazia parte de um script entregue às vítimas de tráfico humano em Mianmar.
O golpistas tinham que conseguir algumas respostas relacionadas às vítimas, como nome, idade, trabalho, renda, hobby e de onde eram.
“Uma coisa que eu lembro bastante era que, por exemplo, se uma pessoa era da Itália, nós tínhamos que pesquisar sobre a Itália. Pesquisar sobre a cidade, para ter um assunto para conversar com ela. A gente também tinha que falar: ‘Você é da Itália? É o meu sonho ir para a Itália. Vou tirar férias dois meses, então pretendo ir”, detalhou Luckas.
Toda essa conversa costumava acontecer no primeiro dos quatro dias que o script guiava. Nas datas seguintes, era a hora de conversas sobre “coisas específicas” sobre a vida diária. Luckas interpretava uma modelo. No segundo dia, ele mostrava uma rotina criada para a vítima:
“Ela [a modelo que interpretava] ia tomar um chá, ia para a academia, voltava para casa, tomava um banho e apresentava uma plataforma que ela trabalhava e ganhava comissões.”
No terceiro dia, a falsa modelo finge ajudar uma amiga, que também começa a trabalhar com a plataforma citada. Luckas contou que essa parte do roteiro servia para o “cliente” também começar a se interessar em ganhar uma renda com o trabalho.
Ainda nesse dia, a personagem sai para comer com a amiga, vai em uma festa com ela e volta muito bêbada para casa. Em meio à embriaguez, a modelo contava uma história triste que envolvesse a plataforma em que trabalha.
Dia do saque
No quarto dia planejado pelo script, a personagem interpretada por Luckas dizia que estava muito ocupada e que precisava da ajuda da vítima para terminar as tarefas que tinha. Nesses deveres, o alvo precisa terminar alguns pedidos na conta da modelo. Posteriormente, a vítima cria uma conta própria e ganha uma comissão real.
“Primeiro, [o dinheiro] tinha que ser mandado para uma plataforma de cripto, lá ava por um processo, que durava de 3 a 4 horas. Daí a pessoa recebia o valor na moeda do país.” Luckas ainda diz que esse primeiro depósito variava entre 20 a 30 dólares.
De acordo com Luckas, a partir dessa fase do golpe quem assumia eram os chineses. A vítima recebia uma “ordem da sorte” para realizar um pagamento na plataforma para continuar ganhando comissões. O primeiro era de 100 dólares e depois ia aumentando.
Foco em brasileiros
Phelipe de Moura, outro brasileiro que estava confinado no complexo especialista em aplicar golpes, fazia parte de um time focado nos brasileiros. Ele conta que chegou a conversar com 18 brasileiras e quatro brasileiros:
“Eles ficavam pegando muito no meu pé falando que o povo brasileiro é sem dinheiro, porque é difícil de enganar”, revelou Phelipe.
Lembrando que era obrigado a participar do esquema, o jovem de 26 anos assumiu que conseguiu enganar três brasileiras. Uma de São Paulo, outra de Belo Horizonte e uma terceira de Salvador.
Tanto Phelipe quando Luckas contam que, se não batessem metas de saques realizados pelas vítimas dos golpes, eles eram punidos com agressões de cassetete e choque.
Retorno ao Brasil
- Luckas e Phelipe retornaram ao Brasil na tarde do dia 19 de fevereiro, ao desembarcarem no Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo.
- Desde então, a dupla, que ficou próxima em Mianmar, tem dado entrevistas e feito participações em podcasts e programa de TV.
- Os dois falaram que aram por exames médicos e começaram tratamentos psicológicos, porém ainda não conseguiram parar para pensar no que de fato aconteceu durante os meses vividos em Mianmar.
- Eles foram levados ao país localizado no sudeste asiático após caírem na falsa promessa de um bom emprego na Tailândia, território vizinho.
- Segundo eles, ainda existem 8 brasileiros vítimas do mesmo esquema no país.