“Gaudí brasileiro” transforma casa de favela em castelo famoso. Vídeo
Estevão Silva da Conceição criou castelo no meio de Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo, e fez imóvel virar ponto turístico
atualizado
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São Paulo — A entrada da antiga casa de Estevão Silva da Conceição, 67 anos, chama atenção de quem a na Rua Herbert Spencer, na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo.
Na fachada, uma quantidade imensurável de objetos como pratos, brinquedos e até uma máquina de escrever estão colados às paredes e ao teto. Colunas sinuosas construídas com pedras, duas grandes esculturas de cabeças de leão e uma cruz recepcionam quem dá um o a mais em direção ao interior do imóvel.
O endereço cheio de cor, e abraçado por um imenso jardim que vai do térreo à laje, ganhou o apelido de castelo e virou ponto turístico na segunda maior favela de São Paulo. Há anos, dezenas de pessoas vão à Paraisópolis todos os meses para conhecer a obra, ainda inacabada, do “Gaudí brasileiro” — em referência ao famoso arquiteto espanhol Antoni Gaudí.
A história da casa completa quatro décadas em junho. Foi no mês das festas juninas em 1985 que o baiano decidiu criar uma estrutura de metal para dar e à roseira que plantou ao se mudar para a favela na zona sul paulistana.
O artista plástico ainda se lembra quando chegou ao bairro e decidiu fazer uma moradia diferente das outras. “Todas as casas eram de madeira, escuras com a sujeira do tempo e da umidade. Eu pensei: ‘Vou fazer um barraco todo colorido, bem bonito, pintado’”.
Logo, Estevão começou a pintar as madeiras do barraco, que rapidamente viraria o mais colorido da rua.
Na sequência, plantou a roseira, que cresceu sem medo, e fez com que ele construísse uma armação de ferro para guiar as folhagens do “jardim suspenso”. A criação da estrutura é considerada por ele o primeiro marco na história de seu castelo particular.
Foi uma ideia pensada para driblar o calor em casa, no entanto, que fez com que o local começasse a ter a cara que tem hoje. Para tornar o imóvel mais fresco, o baiano decidiu criar paredes de pedras.
São elas quem dão ao visitante do espaço a sensação de que se está em uma espécie de castelo medieval no meio de São Paulo. Foram também elas que fizeram com que o artista plástico ganhasse o nome de Gaudí brasileiro, em referência ao arquiteto catalão Antoni Gaudí, quando seu trabalho ficou conhecido.
Os objetos colados nas paredes vieram depois das pedras. O primeiro prato foi parar lá sem grandes pretensões. A esposa de Estevão, Edilene de Souza Conceição, 50 anos, conta que a família almoçava ao redor da mesa quando uma das louças trincou. Estevão teve a ideia, então, de prendê-la à parede. “No outro dia ele chegou com o cimento e pronto”.
Depois desse, vieram mais pratos, além de canecas, celulares antigos, relógios, bolinhas de gude, e tudo o mais que Estevão achasse interessante para adicionar à decoração nada tradicional da casa. Edilene conta que ele ou a visitar bazares para comprar cacarecos que pudessem ser colocados ali.
“Não tem um bazar de São Paulo que ele não conheça”, diz a esposa. Ainda hoje, boa parte dos itens adicionados à construção são adquiridos em bazares de igreja, onde as quinquilharias são vendidas a preços baixos.
Moradia virou museu
Há poucos anos, a família deixou o imóvel. Desde então, o lugar funciona apenas como um museu, aberto de quinta à domingo, com ingresso a R$ 30. Estevão e Edilene recepcionam quem chega e contam as histórias da casa onde viveram até pouco tempo atrás.
A área onde antes ficavam os quartos foi transformada em um salão onde o artista exibe peças que estão à venda, como uma armadura que por pouco não foi levada à China por um comprador. O negócio acabou desandando.
Entre as paredes sinuosas do castelo, e com cuidado para não bater a cabeça, os visitantes sobem uma escada de piscina para chegar aos outros andares, onde o chão é feito de uma estrutura de ferro e arame, que liga um lado ao outro, e a decoração com os objetos variados continua.
No meio do caminho, é possível pegar uma folha de hortelã e uma jabuticaba, entre as várias espécies que crescem no terreno e abraçam o castelo.
Quem chega no alto da casa percebe, no entanto, que, tal a Sagrada Família de Gaudí, inacabada até hoje em Barcelona, na Espanha, a obra do artista brasileiro também continua em construção.
No dia em que recebeu a reportagem do Metrópoles, Estevão preparava a argamassa para “colar” máscaras e cascas de ovos na laje. A estrutura de metal para receber os próximos itens já está pronta.

O baiano, que nunca tinha ouvido falar do Gaudí catalão antes de se tornar conhecido, já teve sua história contada em documentário, deu entrevista para personalidades, e até viajou para a Espanha, com tudo pago, para conhecer as obras do arquiteto que lhe emprestou o apelido.
Ficou famoso dentro e fora de Paraisópolis, onde vive até hoje. “Eu virei famoso, mas rico eu não tô”, diz ele.
Anos atrás, ele se aposentou após trabalhar por anos como porteiro, faxineiro, montador e outras profissões. Agora, a os dias dedicando seu tempo livre à construção de seu castelo. “Me considero um artista plástico da Bahia”.