“Desordem legal”: PM investiga, consegue mandado e inocente é detido
Polícia Civil critica conduta “inconstitucional” do 4º Batalhão da PM do interior, que deturpou função pública atribuída à corporação
atualizado
Compartilhar notícia

Na manhã do último dia 20, policiais militares conduziram um suspeito de roubo ao plantão da Polícia Civil em Bauru, no interior paulista, como é de costume após crimes em geral.
Para a surpresa dos investigadores e escrivães, porém, um dos assaltos, ocorrido em 8 de maio, atribuídos ao homem — levado ao distrito por policiais da Força Tática do 4º Batalhão da PM do interior (4º BPM-I) — não havia sido apresentado em nenhuma delegacia.
Os PMs então explicaram que o suposto suspeito “havia confessado a prática de um roubo”, quando foi abordado durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, solicitado pela própria PM, após uma investigação realizada pelo batalhão. O caso gerou mais uma crise institucional velada entre as policiais Militar e Civil.
Policiais civis, ouvidos em sigilo pela reportagem, assim como membros do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), criticam a conduta do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e do Juízo de Garantias de Bauru — que autorizaram o cumprimento do mandado de busca, formalizado pelo comandante do 4º BPM-I, o tenente-coronel Jovercy Bergamaschi Júnior.
As fontes foram unânimes ao classificar o caso como “inconstitucional”, provocando uma “desordem legal”.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP), a PM, assim como o MPSP e TJSP foram questionados sobre a situação. O espaço segue aberto para manifestações.
Entenda o caso
Policiais do 4º BPM-I de Bauru solicitaram e obtiveram do Juízo de Garantias um mandado de busca e apreensão contra um homem, apontado pela PM como suspeito de envolvimento em ao menos dois roubos — realizados em postos de combustíveis em Bauru e Piratininga, ambas cidades do interior paulista.
Os assaltos ocorreram, respectivamente, nos dias 8 e 10 de maio.
O pedido de busca foi feito sem comunicação prévia à Polícia Civil, que já investigava o caso de Piratininga mas desconhecia o de Bauru, o qual não lhe foi informado pela PM.
O 4º BPM-I, por conta própria — ferindo a Constituição Federal, conforma juízes ouvidos pela reportagem — iniciou uma investigação, resultando em um relatório de “análise criminal”, a partir do qual atribuiu os dois assaltos a um homem, com base em uma postagem no Instagram, na qual aparece uma arma de fogo.
No dia 20 de maio, PMs cumpriram o mandado de busca e apreensão, autorizado pelo Juízo de Garantias, não encontraram a arma das fotos e, sem mandado de prisão, ou flagrante, conduziram o suposto suspeito ao plantão da Polícia Civil de Bauru, no compartimento traseiro da viatura. O então suspeito afirmou, à Polícia Civil, que os PMs o coagiram a dar a senha do celular.
A arma postada pelo homem levado à delegacia não se assemelha ao tipo descrito por vítimas, no roubo de Piratininga, como mostra investigação da Polícia Civil. Já na ocorrência de Bauru, “sequer há descrição da arma no registro feito pelos policiais militares”, destaca documento policial.
Crítica oficial
Após o suspeito ser apresentado no plantão da Polícia Civil de Bauru, um boletim de ocorrência foi registrado pela 1ª Delegacia de Investigações Gerais.
No documento, obtido pelo Metrópoles, é mencionada que, dada a gravidade da situação, a cúpula da Polícia Civil se deslocou presencialmente ao plantão policial.
“Não havia registro do roubo mencionado, no caso ocorrido em 8/5, num posto de gasolina […] havendo apenas o registro de tais [fatos] pela PM, sem que a ocorrência tenha sido devidamente apresentada à Polícia Civil”, diz trecho do boletim, se referindo a uma resolução da própria SSP.
Já sobre o outro roubo, ocorrido em 10/5 em Piratininga, a Polícia Civil afirmou que suas investigações, em andamento, foram prejudicadas pela conduta da PM.
“Verdadeira usurpação das funções constitucionais da Polícia Civil, bem como iminente violação dos direitos e garantias individuais, com consequentes abusos praticados”.
No documento, a Polícia Civil destaca ainda não existir “nexo plausível” que vincule o homem levado à delegacia nos dois roubos.
“As diligências dos policiais militares, só resultaram em prejuízo para a continuidade das investigações, a apuração dos fatos e a responsabilização de seus autores”.
Coronel Coutinho
Em sua posse, em 23 de maio, o novo comandante da PM paulista, coronel José Augusto Coutinho, disse que seu comando daria continuidade ao que era feito por Cássio Araújo Freitas.
“Em especial em combate às organizações criminosas. Visando a busca e captura das lideranças, asfixia financeira, e a quebra da cadeia logística do crime”.
Essa afirmação, é considerada por policiais civis ouvidos pela reportagem como um incentivo à deturpação da função pública da PM.
“É uma situação absolutamente de deturpação, a medida que a PM a ao largo sua atividade ostensiva para fazer trabalho técnico da Polícia Civil, que demanda profundo conhecimento do Direito”, afirmou um delegado, em sigilo.
Ele ainda destacou que o caso de Bauru, “cheio de atropelos”, resultou de um relatório da PM referendado pelo MPSP e TJSP que foram, segundo o policial, “condescendentes”.
“Mas isso não é um caso isolado. A invasão de competência de forma leviana, atabalhoada, não se trata de algo debitado somente à PM, mas principalmente ao MPSP e ao TJSP”.