Cobranças indevidas por clubes e seguros chegam até na conta de luz
Sentenças contra clubes de benefícios e seguradoras na Justiça apontam que ligações induzem vítimas a erro para cobranças na conta de luz
atualizado
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Em uma prática semelhante à da farra dos descontos indevidos sobre aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revelada pelo Metrópoles e alvo de investigação da Polícia Federal (PF), empresas de seguro e clubes de benefícios têm realizado cobranças contestadas até na conta de luz, gerando uma onda de reclamações e condenações na Justiça.
Sentenças judiciais analisadas pela reportagem apontam que as pessoas são induzidas a erro em ligações de telemarketing gravadas para fornecer dados pessoais e aderir a serviços sem consciência disso. O mesmo método também é utilizado nos descontos de empréstimos consignados feitos por bancos e cobranças via débito automático em conta corrente de clubes de benefícios e seguros.
Nas cobranças feitas na conta de luz, segundo as ações judiciais, as vítimas acabam descobrindo o gasto extra com um serviço que desconhecem após notar aumento no valor total da fatura das concessionárias de energia.
Cobrança indevida em dose tripla
Um pedreiro de 63 anos entrou com ação judicial em Guariba, no interior de São Paulo, relatando cobranças indevidas de três serviços diferentes na sua conta da concessionária FL.
O advogado dele na ação, Sebastião Viana, afirma que “essas cobranças, sem aviso prévio ou autorização, foram incluídas em letras minúsculas nas faturas de energia”.
“É uma nova modalidade de lesão que está surgindo em cima de muitos aposentados. Isso aí é coisa que tão tentando implantar em substituição do INSS”, disse o defensor do pedreiro ao Metrópoles.
As cobranças no caso dele eram das empresas Rede Assist 24h (telemedicina), Assisty 24h (empresa que presta assistência residencial) e Cartão de Todos, em valores que vão de R$ 27 a R$ 45.
A defesa do pedreiro aponta uma série de problemas nas gravações de ligações apresentadas pelas empresas, sendo uma delas supostamente com a gravação de uma mulher sem qualquer relação como a vítima.
A Justiça decidiu que as empresas deveriam devolver o dinheiro cobrado. Na sentença, ainda é pontuado que um dos áudios apresentados nem sequer está completo. “Ainda que se ita ser a autora uma das interlocutoras da aludida ligação, o conteúdo da gravação apresentada nos autos revela que, na verdade, esta, de forma desprevenida e inocente, acabou se vinculando, sem saber, aos serviços das partes rés”, diz.
A reportagem encontrou outras ações judiciais e diversas reclamações em páginas relacionadas a queixas de consumidores, como o Reclame Aqui, relativo a outras empresas que fazem cobranças direto na conta de luz do cliente. A própria FL confirmou à reportagem ter “ampla carteira de empresas parceiras”.
Gravação
Outro processado por clientes da concessionária foi o clube de benefícios Lua Assist, que diz oferecer descontos aos seus clientes em produtos como medicamentos. Em um dos casos, o juiz questiona o conteúdo das gravações apresentadas para comprovar a suposta contratação do serviço, que define como “abusiva e absurda”.
“Em mais de 11 minutos de gravação a atendente fala que o autor fora selecionado para desfrutar de descontos de até 60% em compras em supermercados, farmácias, falando em economia de mais de R$ 300,00 mensais no orçamento doméstico do autor. Em menos de 5 segundos a atendente menciona a cobrança de R$ 29,90 na conta de energia, gerando dúvida ao consumidor, que questionou se haveria desconto em na conta de energia propriamente dita”, diz a sentença.
A crítica continua: “A funcionária da requerida vai extraindo os dados que lhe interessam para efetuar a operação. Na fala dos supostos contratantes é facilmente perceptível que não estavam entendendo o que se ava e apenas atenderam ao pedido da requerida de fornecimento dos dados da fatura de energia elétrica”.
Além da devolução dos valores pagos, a concessionária e o clube são condenados a pagar R$ 6.000 a título de danos morais.
O que dizem as empresas
Procurada pelo Metrópoles, a FL afirmou que a cobrança de serviços de terceiros por meio da fatura da energia elétrica está prevista pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e que essa modalidade se aplica a produtos contratados diretamente pelo cliente, mediante autorização prévia.
“A FL presta o serviço de gestão dessas cobranças para uma ampla carteira de empresas parceiras e, caso qualquer parceira descumpra cláusulas contratuais ou comerciais, a FL poderá descredenciá-la, conforme previsto em contrato”, afirma a empresa.
Na Justiça, as empresas Rede Assist 24h (telemedicina) e Assisty 24h (empresa que presta assistência residencial) sustentaram a legalidade das contratações relatadas nas ações judiciais.
A empresa Cartão de Todos afirmou, na ação, que “percebe-se ainda a regularidade da conduta da contratada, a qual apenas fez os lançamentos mensais mediante autorização expressa da parte autora e reconhecimento da transação”.
Já a empresa Lua Assist, além de sustentar à Justiça a legalidade da contratação, afirmou ao Metrópoles que eventuais “decisões judiciais desfavoráveis são respeitadas e cumpridas, conforme determina a legislação e são ínfimas as reclamações contra esta empresa”.
“É natural que, como ocorre com todas as empresas do setor de telefonia, existam desafios operacionais relacionados ao atendimento por call centers, o que pode eventualmente resultar em reclamações, tanto istrativas quanto judiciais”, afirmou o jurídico da empresa, acrescentando que eventuais condenações não são prova de má-fé.
A empresa ainda afirma que tem seis anos de atuação e seis processos judiciais, além de reclamações solucionadas. A empresa também afirmou em nota jamais ter realizado descontos em folha de pagamento de aposentados e que é descabida qualquer tentativa de “vincular esta empresa aos fatos ocorridos no âmbito do INSS”.