Piora do cenário econômico já coloca em risco novo corte da Selic
Com salto do dólar, juros altos nos EUA e nova meta fiscal no Brasil, analistas já duvidam de corte de 0,5 ponto percentual da taxa em maio
atualizado
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A rápida deterioração do cenário econômico tanto externo como interno, intensificada nos últimos dias, já provocou sua primeira vítima. Os analistas estão correndo para rever suas projeções para a taxa básica de juros do Brasil, a Selic, em 2024. Se elas eram de 9% ao ano havia poucas semanas, agora já estão sendo cravadas em 9,75% e, no limite, em até 10%.
A primeira grande demonstração dessa mudança de humor em torno dos juros foi exposta nesta segunda-feira (16/4) no Relatório Focus, a pesquisa semanal do Banco Central (BC), feita com cerca de 150 economistas. Depois de 16 semanas em que as projeções da Selic apontavam para uma taxa de 9%, a estimativa ou para 9,13%.
Um número até que modesto diante da nova previsão do BTG Pactual, também divulgada nesta segunda. O banco elevou sua projeção da Selic no fim deste ano de 9,5% para 9,75%. Além disso, subiu a expectativa para 2025. Ela ou de 8,5% para 9%.
E uma vez que as contas estão mudando, as estimativas de cortes da Selic seguem o mesmo caminho. O mercado transformou em dúvida o que era uma certeza. Boa parte dos especialistas já não acredita numa redução de 0,5 ponto percentual do juro básico na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, em 7 e 8 de maio.
Redução em xeque
Na avaliação do economista Gustavo Bertotti, da Messem Investimentos, um corte dessa magnitude “está definitivamente em xeque”. Ele era esperado pelo mercado porque o Copom indicou na ata da sua última reunião, em março, que realizaria uma redução da Selic desse tamanho. “Mas isso se o balanço de riscos da fosse mantido”, diz Bertotti. “Ocorre que, de lá para cá, o cenário não só mudou como mudou muito.”
E mudou como? Essas alterações, observam os especialistas, incluem a percepção de que os Estados Unidos não vão cortar os juros, mantidos no intervalo de 5,25% e 5,50%, tão cedo, uma vez que a economia americana segue aquecida. Além disso, o conflito do Oriente Médio agravou-se com o ataque do Irã a Israel e o governo brasileiro tornou pública sua intenção de alterar a meta fiscal de 2025.
Fim do superávit
Nesse caso, o arcabouço previa um superávit primário (o saldo positivo da relação entre receitas e gastos públicos, descontados os juros da dívida) de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano. Agora, o alvo ou a ser um resultado zero, ou seja, nem positivo nem negativo, mas com um eventual déficit de 0,25% do PIB.
Por fim, e embalada pelos fatores já mencionados, veio a cereja que coroou a piora do cenário: a disparada do dólar. A moeda americana deixou a casa dos R$ 4,97 que ocupou há três semanas para fechar cotado a R$ 5,28 – depois de ter atingido os R$ 5,29 – no pregão de segunda-feira (16/4).
Principal vilão
Para Marcelo Kfoury, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), contudo, a maior parcela do estrago do cenário econômico brasileiro cabe à política monetária americana, com a manutenção dos juros altos nos EUA.
Isso porque, entre outros motivos, as taxas de juros elevadas tornam mais atraentes investimentos em títulos do Tesouro americano. Tal interesse ocorre em detrimento de ativos de maior risco, como as ações negociadas em Bolsa, notadamente de países emergentes como o Brasil.
Kfoury também acredita que, com a deterioração do quadro econômico, a taxa Selic deve ficar mais perto de 10% do que de 9% no fim do ano. Mas pondera: “Se sair um número bom sobre a inflação nos Estados Unidos, a situação pode se acalmar”, diz. Mesmo porque, nesse caso, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) poderia voltar a pensar num corte nos juros num prazo relativamente breve de tempo.
Também pode piorar
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, é menos otimista. Para ele, o Relatório Focus (a pesquisa realizada com agentes do mercado pelo BC) das próximas semanas mostrará uma deterioração maior do cenário econômico. “Ainda não deu tempo de captar todo o estrago”, diz. “As expectativas de inflação, por exemplo, devem começar a subir.”
Vale considera que não há mais como a Selic terminar 2024 abaixo de 9%, como o parte do mercado já chegou a cogitar. E esse fato representa uma agravante política ao atual quadro. “A briga vai ser enorme, com pressão do governo para o Banco Central baixar o juros”, afirma. “Isso ainda vai trazer mais ruído, na vã esperança de ampliar o crescimento.”
Enrico Cozzolino, sócio e líder de análise da Levante Investimentos, também estima que o cenário pode piorar, uma vez que o governo pode nem sequer cumprir a meta de zerar o déficit em 2025. “Isso pode causar uma deterioração ainda maior na expectativa”, diz. “Nos próximos Relatórios Focus podemos ter projeções de dólar e Selic mais elevadas.”