“Novo normal” com distanciamento social: qual será o futuro da gastronomia?
Após a retomada do comércio, medidas de distanciamento social serão necessárias a médio prazo: especialistas debatem o impacto sobre o setor
atualizado
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Em uma quinzena, tudo mudou: restaurantes com mesas próximas, bares com balcão onde o bartender conversava com o cliente, cafeterias onde o barista coava um café à mesa. Em 11 de março, devido à pandemia do novo coronavírus, um decreto do Governo do Distrito Federal (GDF) obrigou as casas a distanciarem as mesas em ao menos dois metros. Pouco mais de uma semana depois, o Executivo fechou todo o comércio de Brasília – e, apesar da reabertura de alguns negócios meses depois, bares e restaurantes continuam de portas fechadas.
“O primeiro momento foi aquele susto, mas estabilizou. Ainda não sabemos exatamente como vai acontecer, mas vai abrir. A retomada na Europa tem resposta positiva, tem movimento, as pessoas querem ir e dão prioridade ao negócio local. Mas primeiro é preciso ter uma segurança geral, ver como está a cidade. É preciso também pensar na segurança pessoal, o cliente vai se sentir melhor entrando nesse ou naquele ambiente. Vai ser uma transição”, defende Gil Guimarães, chef e proprietário da Baco Pizzaria e do Parrilla Burger.
Em mais de 10 semanas de comércio fechado, o mercado se reinventou completamente: quem não fazia delivery começou a fazer, quem já fazia, aperfeiçoou o serviço, e algumas casas até enviam pratos para serem finalizados pelo próprio cliente. “O delivery vai se fazer cada vez mais necessário. Não só pela pandemia, mas porque as pessoas não têm mais tempo. Antes as pessoas não tinham tempo para cozinhar porque não paravam em casa, agora não organizam o tempo para cozinhar. Acho que a tendência é aumentar”, avalia o coordenador do curso de gastronomia do Iesb, Sebastián Parasole.
Estamos chegando ao pico de casos no Brasil. No futuro, teremos que adaptar a quantidade de pessoas e o horário que elas circulam no restaurante, limitar o espaço entre elas. Acho que vamos ter separadores de acrílico como os de mercado, acho que os cardápios serão mais simples e, na porta do restaurante, vai ser comum ter que responder perguntas sobre a própria saúde e medir a temperatura antes de entrar.
Sebástian Parasole, coordenador do curso de gastronomia do Iesb
Gil não leva fé nas barreiras de acrílico, e aposta nos espaços amplos de Brasília como solução para a distância entre clientes. “Como toda adaptação, vai ter problemas. É tudo novo, as pessoas ainda não sabem como vai funcionar, tem que treinar pessoal quanto à distância do cliente. Vai dar certo, eu estou animado, mas tem um problema financeiro seríssimo acontecendo: no nosso caso, estabilizamos financeiramente, mas quando reabrir os custos vão aumentar muito, com movimento reduzido. Estou otimista, mas sabendo que serão tempos difíceis”, afirma.

“Muita gente acha que nosso conhecimento enquanto categoria vai se perder, mas eu acho que vai ser o contrário. Será preciso ter equipe menor e um trabalho otimizado. O grande lance da reabertura com menor ocupação é que diminui o faturamento. Quando você pensa num restaurante, o plano de negócios está baseado no número de lugares. Se eu mudo isso, mudo meu negócio, e isso pode inviabilizar a operação porque os gastos continuam iguais. Acho que vai ter uma inteligência de divisão de tarefas, de otimização de pessoal tanto em funções, quanto na eficiência do serviço mesmo”, defende Carolina Oda, consultora de hospitalidade.
Por outro lado, Carolina aponta que é preciso também pensar na segurança de quem trabalha nas casas. “Falamos muito em hospitalidade externa, mas é preciso pensar na interna: como você está fazendo com a equipe, como eles chegam ao estabelecimento. Muito se fala sobre câmaras de esterilização, sobre área de recebimento da equipe… Acho que vamos rever a área de funcionários, por exemplo, vai ter que se tornar um espaço maior e melhor equipado”, argumenta.
Mesmo reabrindo aos poucos, com cuidado, boa parte do serviço de restaurante – a tratativa com maîtres, garçons e bartenders – está severamente comprometida. Para Carolina, um dos grandes retrocessos do chamado “novo normal” é para quem trabalha no balcão. “Esse contato com o cliente vai acabar, a não ser que exista um vidro, mas é tão triste! A grande graça do bar é a interação, é o bartender crescendo na cena gastronômica por entender o gosto do cliente, por explicar a complexidade do drinque que está servindo. A gente tem que pensar em como manter a discussão da relevância e importância dessas funções nesse novo cenário”, afirma.
Condições favoráveis
O Plano Piloto tem uma grande vantagem em relação a grandes polos gastronômicos como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro: a cidade ampla, de espaços abertos que não só convidam o cliente de estabelecimentos ao tempo e à contemplação, mas também podem ser a solução para este momento. “Brasília nunca teve a cultura do take out, as pessoas sempre consomem no local. O público gosta de permanecer no espaço, e as cafeterias daqui são a prova viva dessa ocupação. Eu fico pensando: o brasiliense não ocupa a cidade, ocupa cafeteria. Esse espaço não é mais o parque, é o café. O que mais me dá saudade nesse processo todo é o acolhimento que existe nesses espaços”, lamenta a barista Luciana Araújo, que chefiou a Casa Quilha e atuou no Ernesto Cafés Especiais.
Gil concorda com Luciana: caso a reabertura do comércio aconteça no tempo seco brasiliense, será o momento para aproveitar o fato de que a cidade tem espaços amplos, onde as mesas podem ser distribuídas de maneira a garantir a segurança da clientela.
“As áreas externas vão se fortalecer. Existe uma articulação para a gente melhorar o uso de calçada, a movimentação para fazer feiras, mercados e festivais em espaços abertos. Sei que existem projetos de ocupação de praças, e acho que os espaços públicos serão habitados de outra maneira na reabertura”, aposta Carolina Oda.
Nesta segunda-feira (15/06), o governador Ibaneis Rocha se reuniu presencialmente com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-DF), Beto Pinheiro, e com o presidente do Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio da Silva, para tratar da reabertura do setor. O chefe do Executivo solicitou que os representantes providenciem um protocolo a ser encaminhado à Secretaria de Saúde, à Secretaria de Mobilidade Urbana e à Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan): o documento será estudado até 19 de junho e, se tudo der certo, os funcionários das casas poderão testar para a Covid-19 durante o próximo fim de semana.
“Caso todo o procedimento seja feito, Ibaneis garantiu que a reabertura dos restaurantes poderá ocorrer no dia 25 de junho“, adiantou Pinheiro. Se houver atrasos, a previsão é que a reabertura das casas aconteça em 1º de julho.