Crítica: Maria Madalena desfaz erro milenar de interpretação bíblica
Sob o olhar do cineasta Garth Davis, a personagem é uma mulher à frente do seu tempo
atualizado
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Uma das personagens mais polêmicas do evangelho é Maria Madalena. A história da primeira pessoa a presenciar Cristo ressuscitado chega às telas de cinema nesta quinta-feira (15/3). Mas não espere encontrar a retratação fiel do texto bíblico. O obra propõe uma visão diferente e mais complexa do que as especulações já lançadas sobre essa figura histórica para os cristãos. A grande questão do filme é a inspiradora força e persistência de uma protagonista firme em seus ideias, sem se deixar abalar pelo preconceito e machismo.
Pelo olhar do diretor Garth Davis, Maria Madalena (The Story of Mary Magdalene) não é nem a ex-prostituta arrependida – mito fruto da homilia equivocada do Papa Gregório em 591 D.C e que perdura até os dias atuais –, muito menos a esposa secreta de Jesus Cristo – como sugerem alguns autores. Com interpretação e tom milimétricos da atriz Rooney Mara, Maria de Magdala – vila de pescadores próxima à Cafarnaum – tinha costumes comuns e ambições incompreendidas para as mulheres da época.Madalena recusava-se a casar e cumprir o papel pré-determinado às jovens do regime culturalmente patriarcal. A postura “à frente do seu tempo” era considerada pecado gravíssimo. Convencido pelo primogênito Daniel (Denis Ménochet), seu pai (Tchéky Karyo) concorda em executar um ritual de exorcismo, para livrá-la do “demônio” que a fazia lutar contra as leis de Moisés. A medida drástica não funciona, ao contrário, faz a jovem retrair-se ainda mais.

Apenas um homem entende os seus anseios, Jesus de Nazaré (Joaquim Phoenix). O messias da fé cristã sentencia não haver demônios para serem expulsos ali. À contra-gosto da família e de alguns discípulos machistas, Maria Madalena abandona a sua vida e se torna seguidora fiel do Nazareno. A partir daí, a direção inteligente de Davis aproveita agens bíblicas como ferramenta para narrar a trajetória e dilemas da apóstola.
Humanização
Uma das grandes sacadas do longa é ear com profundidade pelos sentimentos de outras figuras importantes do evangelho como Pedro e Judas. Tudo isso, utilizando os dramas de Madalena como gatilho para revelar a personalidade de cada coadjuvante masculino.
É possível que algumas pessoas nunca tenham compreendido Judas, discípulo que traiu o “Filho de Deus” por apenas algumas moedas de ouro, mesmo depois de segui-lo por tanto tempo e presenciar inúmeros milagres. O filme sugere outras motivações.
O ator Tahar Rahim apresenta com maestria o caminho percorrido pelo “vilão” bíblico desde a esperança, ando pela fé cega até chegar a decepção ao perceber que os desígnios de Deus não são iguais aos dele. Tem-se, então, um dos momentos mais comoventes e humanos de toda a produção.

Com a lente de aumento de Garth, Pedro (Chiwetel Ejiofor) deixa o pedestal de “pedra fundamental da igreja de Cristo”. O pescador é mostrado como um apóstolo vaidoso, que deseja lutar contra a dominação romana com armas, enquanto o messias escolhe o caminho do afeto.
Pedro é o mais incomodado com a presença de uma mulher entre os homens. “Somos tão diferentes dos homens, que precisa nos ensinar coisas diferentes">
Em um universo em que os principais filmes do gênero, compreensivamente, foquem na conhecida narrativa de Jesus, Maria Madalena surpreende por deixá-lo em segundo plano. Um título excelente para pessoas de mente aberta e livre dos pré-conceitos, resistentes a qualificar tudo como heresia.
Avaliação: ótimo
Confira o trailer: