Cannes: “The Stranger”, de Thomas M. Wright
Lento e enigmático, filme australiano só recompensará quem estiver disposto
atualizado
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Este filme começa com um longo e demorado plano aéreo se aproximando de uma montanha. Quando o filme termina, entendemos que é uma introdução ao ambiente do filme, um thriller baseado não em tensão baseada em ação, mas em pensamento, na possibilidade de um mal existencial. Henry Teague (Sean Harris) é um homem com um ado, provavelmente criminoso. Com cabelo e barba longos, roupas pretas e um aspecto meio vagabundo, Henry entra num ônibus e nem ele parece saber pra onde vai. Qualquer lugar aonde possa tocar a vida, imaginamos.
Dentro do ônibus ele logo conhece outro sujeito com trabalho a oferecer. Os dois se entendem com olhares e poucas palavras, por isso Henry logo diz: “eu não faço violência”. Aí fica claro, estamos no submundo do crime australiano. Henry é apresentado a Mark Frame (Joel Edgerton), que será seu ponto de contato e chefe dentro da “Organização”, e a maior parte do trabalho envolve longos percursos de carro para deixar e buscar envelopes de dinheiro. Aos poucos, Henry parece ter encontrado um lugar para si, e com possibilidade de promoção.
Eventualmente, para ascender na Organização, Henry tem de ar por um rito onde deverá esclarecer toda a sua carreira criminosa, incluindo coisas pela qual não foi pego. Deveria servir para demonstrar sua confiança no grupo, só que todos os envolvidos são policiais, menos ele, e tudo não a de uma operação para que Henry ita sua culpa no desaparecimento e morte de um adolescente, oito anos antes. Baseado em fatos reais, o caso Morcombe é um dos mais notórios da história da Austrália.
É o dever de Mark, policial disfarçado, ir amansando todas as cautelas e paranóias de Henry, durante a maior parte do filme, até o dia da reunião/confissão. É por isso que o dia-a-dia dos dois é tão repleto de longos eios de carro, para a conversa e a construção de um relacionamento de confiança cresçam e se desenvolvam. Mas qual o preço que se paga ao virar amigo de alguém capaz de matar uma criança?
Eis aí aquele close inicial, vagaroso e perturbador, de uma montanha. “The Stranger” não é representado–por seu aspecto visual, sonoro, ou de montagem–como um filme sobre o procedimento de uma investigação, mas sim como uma descida a um tipo de inferno espiritual. Tudo é cercado por sombras, personagens ficam obscurecidos e o diálogo é funcional. O filme estimula o espectador a chegar pra frente em seu assento, a enrugar a testa e prestar atenção, sem muito alarde.
Eventualmente, o peso começa a sobrecarregar os pensamentos de Mark. Pesadelos o ocupam à noite e ele começa a tratar seu filho de uma maneira mais agressiva. Por isso que as duas interpretações são fundamentais para o que se retrata aqui. Solucionar um mistério pode ser uma proposta onerosa para a própria polícia.
Avaliação: Bom (3 estrelas)