Cannes: The Shrouds, de David Cronenberg
Mestre do body-horror reflete em sua obra a morte recente da esposa.
atualizado
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Volta e meia, o impacto do real na vida de um artista pode afetar o rumo de sua obra. É impossível não pensar na recente viuvez de David Cronenberg ao assistir seu novo filme, que mergulha na intrincada interação entre tecnologia, luto e corpo humano, apresentando uma narrativa que é profundamente pessoal e tematicamente rica. O filme é centrado em Karsh (Vincent Cassel), um viúvo que desenvolveu a “ShroudCam”, uma tecnologia inovadora que permite aos enlutados observar seus entes queridos falecidos em tempo real enquanto eles se decompõem. Esta invenção serve como meio de Karsh lidar com a perda de sua esposa, Becca (Diane Kruger).
O filme começa com uma sequência assustadora em que Karsh sonha com Becca, levando a uma transição chocante que ressalta a mistura surreal de realidade e pesadelo — uma marca registrada do estilo de Cronenberg. À medida que a narrativa se desenrola, as interações de Karsh com a irmã gêmea de Becca, Terry (também Kruger), e seus envolvimentos com outros personagens, incluindo um cunhado hacker (Guy Pearce) e um novo interesse romântico (Sandrine Holt), complicam ainda mais sua jornada pelo luto.
“The Shrouds” está entre as obras mais contemplativas de Cronenberg, refletindo suas experiências pessoais com perda. O filme foi descrito como um drama de viúvo “seguindo em frente”, com os esforços tecnológicos de Karsh simbolizando sua luta para processar a morte de sua esposa. Visualmente, o filme mantém a estética característica de Cronenberg, com o diretor de fotografia Douglas Koch empregando um estilo contido, mas evocativo, que complementa o tom introspectivo do filme. O uso da tecnologia como um dispositivo narrativo é intrigante e inquietante, levando os espectadores a considerar as implicações éticas de vigiar os mortos. No entanto, alguns críticos acham que o filme perde a oportunidade de se aprofundar nos aspectos filosóficos dessa tecnologia, optando por uma exploração mais superficial.
“The Shrouds” oferece uma meditação instigante sobre o luto e até onde alguém pode ir para permanecer conectado ao falecido. Embora possa não satisfazer totalmente todos os espectadores devido ao entrelaçamento de drama pessoal com elementos de conspiração mais amplos, o filme é uma prova da capacidade duradoura de Cronenberg de provocar e desafiar o público.
Avaliação: Bom (3 estrelas)