Nem assassinato altera rotina do comércio ilegal no centro de Brasília
Um dia após o duplo homicídio que vitimou mãe e filho, ambulantes irregulares vendiam produtos sem qualquer tipo de fiscalização por perto
atualizado
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Um dia após uma briga de ambulantes por espaço e clientela na Rodoviária do Entorno, no antigo Touring, terminar em tragédia, com dois mortos e um ferido, nessa quarta-feira (4/7), o Metrópoles percorreu pontos específicos e movimentados do Distrito Federal, na tentativa de encontrar comerciantes irregulares. Não é preciso ir muito longe para avistá-los vendendo os mais diversos produtos.
Nem o duplo homicídio parece ter afetado o movimento no local. Achar algum vendedor informal não era difícil nem mesmo no Box 17, vizinho às baias onde mãe e filho, Maria Célia Rodrigues dos Santos, 38 anos, e Welington Rodrigues Santos Silva, 22, foram assassinados a tiros.
Na tentativa de garantirem o sustento, os comerciantes se arriscam em pontos estratégicos, visados pelo elevado fluxo de pessoas. O roteiro dos ambulantes ainda envolve outros locais, como a Rodoviária do Plano Piloto e o Setor Comercial Sul. Nesses espaços, os camelôs travam uma batalha quase diária contra as constantes batidas promovidas pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis).
A lista de mercadorias traz diversas opções e atende a todos os gostos. Há quem venda carregadores de celular, fones de ouvido, camisetas, calças, bolsas, meias, bonés, perfumes, comidas e bebidas diversas ou até mesmo ouro. As técnicas de persuasão são inúmeras e exploram a criatividade dos comerciantes. Gritos, buzinaços, berros, apertos de mão. Vale tudo na tentativa de se conseguir um trocado.
Tráfico
Nas proximidades do shopping Pátio Brasil, as vendas também seguem a todo vapor. Hilton Sousa, 25 anos, conta que costumava frequentar a rodoviária, mas o controle incessante o afastou para o Setor Comercial Sul. “Trabalhei perto do Conic por muito tempo, mas me cansei. Dos sete anos que sou camelô, fique sete lá, mas ninguém aguenta, não”.
Outro motivo que o teria feito mudar de área eram as costumeiras brigas por pontos de venda, as quais segundo ele, só existem entre traficantes de drogas. “O que a gente viu acontecer no Touring é todo dia, mas é de tráfico. Camelô não mata ninguém, não. Aquilo lá é droga, com certeza. Já viu uma pessoa atirar na outra por causa de bala, chiclete, pipoca? Eu nunca vi”, sugere.
“Ninguém tem medo da Agefis”
Nem as ações de repressão da Agefis parecem assustá-los. Alguns até debocham dos fiscais, como Ilson Batista, de 50 anos. Segundo o comerciante, mesmo com a fiscalização no pé, ele consegue uma renda “boa” para ajudar no sustento dos filhos. “Se eles aparecem, corro e ninguém me pega. Pago a comida dos meus filhos com o que vendo aqui há mais de 40 anos, nunca me pegaram”, brincou.
Assim como Ilson, é comum ver ambulantes “driblando os fiscais”, deslocando-se de uma região para outra com agilidade e sem maiores dificuldades. Por volta das 16h, o Metrópoles flagrou uma das ações do órgão. Bastou alguém avisar sobre os agentes para que os panos nos quais as mercadorias estavam expostas virassem verdadeiras trouxas com produtos a serem carregados com facilidade para cima e para baixo.
Ninguém tem medo deles, não. Se eles [fiscais] estiverem na parte de cima, eu desço; se descerem, eu subo; e, se me encherem mais a paciência, eu corro para a Rodoviária do Entorno, mesmo.
Ambulante que não quis se identificar
À reportagem, alguns vendedores irregulares que preferiram manter o anonimato avisaram: a fiscalização foi intensificada nessa quinta-feira (5/7), em decorrência do episódio no dia anterior. De acordo com os comerciantes, “é difícil ver fiscal”.
No entanto, o órgão nega a versão e defende que as ações são diárias, com equipes espalhadas pela área central de Brasília e pontos turísticos, na tentativa de reprimir as vendas irregulares. A Agefis ainda informa ter feito, apenas neste ano, 209 apreensões, as quais tiveram como resultado mais de 38 mil itens confiscados – um terço do total apreendido em 2017.
Foragidos
O homem apontado pela Polícia Civil como autor dos assassinatos de mãe e filho trabalhava como ambulante no terminal mesmo tendo um mandado de prisão em aberto por roubo qualificado e corrupção de menor. Henrique Monteiro Gonçalves, 33 anos, e a mulher dele, Geovana Gomes dos Santos, 32, considerada sua cúmplice, estão foragidos.
Henrique possui três agens na polícia por lesão corporal – de 2014, 2016 e 2018. Ele também tem um mandado de prisão em aberto em virtude de um assalto cometido em 2007. O suspeito está foragido desde 2015.
Segundo o delegado, Geovana participou do crime. “Foram três disparos direcionados e tudo indica que a esposa ajudou a esconder a arma de fogo. Ela pegou os filhos e fugiu de casa. Seria o pivô da confusão. Provavelmente, eles estão escondidos em algum local de difícil o”, disse Rogério Rezende.
A rixa entre os ambulantes é antiga. No dia 25 de junho, os envolvidos, exceto Henrique, foram detidos em flagrante por lesão corporal e liberados logo em seguida. Tudo em razão da disputa por território na rodoviária por onde am 200 mil pessoas diariamente. “Existe uma divisão informal entre ambulantes no local”, afirmou o delegado.