DF: Justiça autoriza redução de carga horária de mãe com filho epilético
Segundo a magistrada, mesmo com as adequações necessárias na jornada de trabalho, o salário não sofrerá redução
atualizado
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Mãe de um garoto de 7 anos diagnosticado com epilepsia e distúrbios neurológicos e psicológicos, uma analista da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) conseguiu na Justiça a redução da carga horária de trabalho pela metade para que possa acompanhar o tratamento da criança.
A decisão é da juíza da 4ª Vara do Trabalho de Brasília Katarina Roberta Mousinho de Matos Brandão. Segundo a magistrada, mesmo com as adequações necessárias na jornada de trabalho, o salário não sofrerá redução.
Mãe de três filhos — de 13 e 7 anos, além de um bebê de cinco meses —, a trabalhadora solicitou as adequações enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho. Não há necessidade de compensação da jornada.
Além de ministrar remédios controlados, a mãe informou que precisa assistir o filho, que inclui acompanhamento multidisciplinar, com reavaliações neurológica e psiquiátrica, escolar, fonoaudiológico, psicopedagógico, psicológico e terapia ocupacional.
Acrescentou que, com a jornada de trabalho de oito horas por dia, de segunda a sexta-feira, mesmo em trabalho remoto, nem sempre consegue acompanhar o filho no tratamento, ficando impossibilitada de oferecer outras atividades importantes na garantia do desenvolvimento neuropsicomotor.
Em defesa, a ECT alega que, como empresa pública, não pode praticar atos istrativos que não estejam permitidos em lei e que não há previsão em normativo interno, acordo coletivo ou legislação que autorize a empresa a conceder a redução da jornada de trabalho sem a redução salarial. E que, se deferida a redução de jornada, teria de haver redução proporcional do salário, para não caracterizar tratamento diferenciado com os demais empregados.
Decisão
A juíza defendeu na sentença que o direito à vida e à saúde são princípios constitucionais inalienáveis, assim como a proteção à criança, que é obrigação do Estado e da sociedade.
Para a magistrada, ainda que não exista previsão expressa nos normativos aplicáveis aos empregados da ECT, “a ordem jurídico-constitucional, analisada no seu conjunto, considerando os princípios constitucionais e a valorização da pessoa, não impede que o magistrado possa decidir, para o deslinde da hipótese em análise, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
Relatórios
Os documentos juntados aos autos pela trabalhadora, ressaltou a magistrada, trazem elementos que demonstram a gravidade da condição de saúde da criança, apontando a necessidade dos cuidados maternos que justifiquem a redução de jornada de trabalho.
Após citar laudos e relatórios médicos e psicológicos e os tratamentos em curso, a magistrada disse ser evidente a necessidade de acompanhamento multiprofissional da criança — principalmente por demonstrar haver sérios comprometimentos decorrentes da patologia por ele apresentada —, assim como a necessidade de minuciosos e rígidos cuidados com o dia a dia do filho por parte da mãe, principalmente durante a pandemia da Covid-19, que amplificou o pânico, a ansiedade, a depressão e outras inúmeras dificuldades de relacionamento social.
Além disso, frisou que a inobservância do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.257/2016), implicaria necessariamente em discriminação, principalmente ao se privar a trabalhadora de ter o direito de desfrutar tempo maior com seu filho, quando este claramente necessita de maior cuidado que uma criança integralmente saudável.
“A aplicação do princípio da igualdade é imprescindível”, salientou, lembrando que pode ser aplicada ao caso, por analogia, à Lei nº 13.370/2016, que concede horário especial, sem compensação de jornada, para o servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência física.
Perspectiva de gênero
A magistrada também afastou qualquer alegação de que a criança não seria dependente dos cuidados da mãe nos atos da vida cotidiana ou que ela não seria a única responsável por zelar pela saúde, educação e bem-estar do filho, até pelo fato de a funcionária estar atualmente em regime de trabalho remoto em razão da pandemia. Nesse ponto, a juíza disse ser necessário um julgamento sob perspectiva de gênero, por reconhecer que existe uma desigualdade fática estrutural entre homens e mulheres.
“Em regra, é delegado à mulher o cuidado e a responsabilidade em acompanhar os filhos ao médico, à escola e demais atividades relacionadas às necessidades da criança em questão, à luz da Convenção Interamericana de Belém do Pará (Decreto nº 1.973/96)”.
Assim, considerando que as provas juntadas aos autos são idôneas e foram produzidas e apresentadas segundo os critérios legais, a magistrada julgou procedente o pedido para conceder a redução de carga horária em 50%, sem redução salarial e sem a necessidade de compensação da jornada, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho.
Com informações do TRT-10