Máfia da anestesia do DF cobrava 7x mais com “tabela da chantagem”
A coluna apurou que os valores cobrados pela Coopanest chegam a ser sete vezes superiores às tabelas de referência
atualizado
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No centro do esquema que há anos domina o mercado de anestesiologia do Distrito Federal, uma ferramenta se destaca: a chamada “tabela da Coopanest”. A lista de preços, criada e imposta pela Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do DF (Coopanest-DF), é apontada em investigações da Polícia Civil como parte de uma estrutura que favorece o superfaturamento de procedimentos, sufoca a concorrência e compromete o funcionamento de hospitais públicos e privados.
De acordo com os autos, os valores cobrados pela Coopanest chegam a ser sete vezes superiores às tabelas de referência amplamente utilizadas no mercado, como a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) e a Associação Médica Brasileira (AMBR).
Relatos colhidos durante a apuração revelam que a cooperativa impõe sua tabela a hospitais e convênios por meio de negociações centralizadas, sem concorrência, o que lhe permite ditar os preços e impor condições unilaterais. A Coopanest é, em muitos casos, a única credenciada para a prestação de serviços anestésicos no DF, o que deixa operadoras de saúde e instituições sem alternativas viáveis.
Essa concentração de poder levou a episódios de boicote contra instituições que tentaram resistir ao modelo. Um dos casos envolveu um convênio militar que, ao tentar renegociar os valores, encontrou no mercado apenas prestadores vinculados à cooperativa. Sem outras opções, o convênio foi forçado a manter o vínculo e aceitar as condições impostas.
Outro exemplo o envolve um hospital privado de grande porte, que após romper com uma clínica afiliada à Coopanest enfrentou suspensões em massa de cirurgias. Sem anestesistas dispostos a assumir os plantões, quase 300 procedimentos foram cancelados e 500 deixaram de ser agendados.
A pressão se estende a clínicas de menor porte, como uma unidade de radioterapia que relatou abandono por parte dos anestesistas após a formalização do vínculo com a cooperativa. A baixa frequência de procedimentos e a falta de autonomia para negociar valores tornaram o serviço inviável. Tentativas de contratar anestesistas fora da estrutura da Coopanest foram frustradas: no DF, praticamente todos os profissionais estão vinculados à cooperativa.
Saúde pública
O modelo de atuação também impacta diretamente a rede pública. Hospitais istrados por organizações sociais e até a própria Secretaria de Saúde do DF relataram dificuldades para contratar anestesistas devido aos preços considerados impraticáveis.
Um levantamento interno apontou que mais de 1.300 cirurgias gerais — sendo 500 pediátricas — deixaram de ser realizadas por falta de condições financeiras para atender às exigências da tabela da cooperativa.
Bagres
Além dos valores elevados, a investigação apontou a existência de hierarquias internas nos grupos vinculados à Coopanest. Profissionais que atuam como prestadores de serviço são conhecidos informalmente como “bagres” e ficam responsáveis pelos plantões noturnos, fins de semana e procedimentos mais complexos. Em contrapartida, recebem valores fixos por hora trabalhada, enquanto os sócios do grupo ficam com a maior parte do faturamento.
Operação Toque de Midaz
O caso está no centro da Operação Toque de Midaz, deflagrada pela Polícia Civil do DF e Ministério Público, que investiga os crimes de organização criminosa, cartel, constrangimento ilegal e lavagem de dinheiro.
A operação cumpriu mandados de busca e apreensão contra os principais dirigentes da cooperativa e anestesiologistas envolvidos nas práticas denunciadas.
O nome da operação faz referência à ganância — simbolizada pelo “toque de Midas” — e ao Midazolam, medicamento amplamente usado em procedimentos anestésicos.
A Coopanest-DF nega qualquer irregularidade. Em nota, afirmou que atua com ética e legalidade há mais de quatro décadas e que prestará todos os esclarecimentos necessários.