Gay e católico: quem é o alfaiate que vestia o papa Francisco
Filippo Sorcinelli cria vestes para o Vaticano há 25 anos e falou, em entrevista, sobre como é ser um homem gay praticante do catolicismo
atualizado
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O papa Francisco, que morreu na última semana, aos 88 anos, começou e terminou a missão como pontífice com peças do alfaiate Filippo Sorcinelli, especializado em vestes litúrgicas. O artista, nascido na cidade de Mondolfo, desenha para o Vaticano há 25 anos e criou o traje da primeira missa do líder católico, bem como a mitra para o velório. Recentemente, Sorcinelli chamou atenção após uma entrevista na qual fala sobre a experiência de ser um homem gay praticante do catolicismo, e o possível encerramento do trabalho para a igreja.
Vem saber mais detalhes sobre o designer!

Relação com a igreja
Sorcinelli assina as vestes litúrgicas do Vaticano pela marca própria, Atelier Lavs. O artista também é pintor, fotógrafo e perfumista, e dono da marca de fragrâncias Unum. Ele cresceu em meio a uma família de tecelões e costureiras. Nas mais criações que fez para Francisco, destacou-se por interpretar e respeitar a abordagem humilde do líder religioso, nascido na Argentina.
O alfaiate criou a primeira veste religiosa em 2001, aos 23 anos, para um amigo que tinha acabado de virar padre. Desde então, ele traz nas peças referências artísticas que vão da Idade Média ao Renascimento. Na infância, quando acompanhava as visitas da mãe a igrejas antigas, ele ficava encantado com os elementos estéticos e doutrinários do catolicismo, que virou sua religião até os dias atuais.
“Levo no coração meus primeiros os como criança: eu acompanhava minha mãe na limpeza da igreja paroquial da minha cidade. Esses gestos simples e humildes carregavam um grande significado e se tornaram a da minha vida”, disse o artista à Vogue americana.
“Ter fé, para mim, é ter sido agraciado por essa riqueza humana. Criar arte sacra hoje é transmitir essa mensagem ao mundo. Eu não estaria vivo hoje se não tivesse vivido esses momentos.”

Tradição e modernidade
O alfaiate faz questão de enfatizar que seu ateliê tem “profundo respeito pela Igreja, nosso cliente principal, e a consciência de que não estamos apenas fazendo figurinos teatrais”. As criações, como as mais de 50 que ele fez para Bento XVI (1927-2022) são feitas em contato direto com o Escritório Litúrgico e respeitam a identidade de cada papa. Porém, isso não impediu o veto a alguns designs considerados mais “ousados” nos últimos quase 30 anos.
Sorcinelli contou que evita modernizar em excesso as peças para a igreja, para “natureza atemporal e eterna que os ritos sagrados”, mas não abre mão de materiais , como seda e lã exclusivas. “Sempre gostei de falar sobre a criação como serviço. Isso também significa interpretar seu ofício como uma extensão da fé. Tudo isso deve prevalecer sobre a estética pura ou gestos provocativos”, detalhou.

Catolicismo x sexualidade
Na entrevista à revista de moda, Sorcinelli comentou sobre como o desafio de ser um homem gay comprometido com o cristianismo. Para ele, ainda há uma jornada longa até que haja inclusão na igreja para “aqueles que são diferentes”, mas já recebeu agradecimentos de padres gays por seu trabalho.
“Sou um homem de fé, mas não sou imune à dor nem à alegria. Sou alguém que anseia por respeito, constantemente lutando contra a batalha absurda entre quem eu sou e o que os outros esperam que eu seja”, contou ele à Vogue. “Mas uma coisa é certa: o perfume me libertou. E liberdade não é fazer o que se quer — é fazer o que se deve. Isso muitas vezes colide com um ambiente eclesial cheio de rótulos, cerimônias e, sim, clichês.”

Continuidade
Tatuado e famoso pelo estilo elegante, majoritariamente em peças na cor preta, Filippo Sorcinelli estudou arte sacra e tecelagem histórica. Aos 13, tocava órgão em catedrais. O trabalho inovador com vestes religiosas rendeu a ele uma exposição temática no Museu Diocesano de Milão, em 2018, e um Prêmio Arte e Liturgia do Instituto Pontifício Litúrgico (2021).
À Vogue, ele disse que “ainda não sabe se vai vestir” o próximo papa. No entanto, em outra declaração recente, manifestou o desejo de encerrar as atividades para o Vaticano após a morte de Francisco. “Colaboro com o Pontifício Escritório para as Celebrações Litúrgicas há 25 anos, criando vestimentas para os papas. Depois de ter desenhado para o papa Francisco e, antes dele, para o papa Bento XVI, sinto a necessidade de terminar esta experiência”, anunciou.
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