Exclusivo. Golpista frauda o ConecteSUS e inclui dose falsa de vacina
Em apenas 7 minutos, golpista incluiu no sistema oficial falsa dose de reforço de vacina contra Covid; a coluna informou o caso à polícia
atualizado
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O sistema que abastece o aplicativo ConecteSUS, do Ministério da Saúde, permitiu que um golpista incluísse, em minutos, dados falsos de vacinas contra a Covid. Nos últimos dias, a coluna conversou por meio do Telegram com uma pessoa que, mediante o pagamento de R$ 300, promete adicionar aos dados da pasta falsos comprovantes de aplicação de doses do imunizante. Sem pagar a taxa, a coluna constatou que o golpista, de fato, consegue fazer inclusões no sistema de imunização. As autoridades policiais foram informadas sobre o caso.
O ConecteSUS é gratuito e busca facilitar o o aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa ferramenta oficial, é possível ar históricos hospitalares, consultas médicas, compras de remédios subsidiados, resultados de exames e certificados de vacinação, que são usados como documentos oficiais para comprovar a imunização. Essa exigência, conhecida como “aporte da vacina”, é feita em locais públicos e particulares, numa tentativa de diminuir a transmissão da doença que já matou 700 mil brasileiros em três anos.
Desde o fim de fevereiro, a coluna vem conversando via Telegram com o usuário @Livredevacinas, que no chat se identifica apenas como “Araújo”. A coluna soube do perfil por meio de uma fonte do serviço público sob a condição de anonimato. Já nas primeiras mensagens, o esquema foi detalhado pelo golpista.
“Você escolhe a quantidade de doses e lanço com data retroativa. O pagamento só é feito após você conferir no seu ConecteSUS as doses e o certificado de vacinação”, escreveu o golpista.
Ao longo da conversa com, o golpista classificou os imunizantes de “venenos”, em um tom negacionista que contrasta com o país que, antes de Jair Bolsonaro, orgulhava-se de ser referência de vacinação.
“Funciona dessa forma: você escolhe a quantidade de doses, escolhe o veneno entre Pfizer ou Coronavac ou AstraZeneca. Assim que eu lançar no sistema do SUS, falo para você checar. Lanço com data retroativa e respeitando o espaçamento entre as doses. O pagamento só é feito após você conferir no seu ConecteSUS as doses e o certificado de vacinação! Não precisa enviar nenhum documento, somente seu F ou CNS [Cartão Nacional de Saúde]! Vamos descartar vacinas reais, é como se você realmente tivesse tomado veneno!”, explicou.
“Já está no sistema”
Na última quarta-feira (8/3), a coluna voltou a entrar em contato com o golpista. A inclusão da vacina falsa contra a Covid foi feita em apenas sete minutos. A coluna usou os dados de X., uma pessoa que concordou em participar da reportagem sob a condição de a coluna não expor seu nome.
Até então, X. tinha duas doses de vacinas contra a Covid no seu app: ambas do laboratório Pfizer, aplicadas em 2021.
X. cedeu duas informações básicas para esta apuração. A primeira foi uma fotografia da tela de seu aplicativo na seção “Perfil”, que traz nome, F, o Cartão Nacional de Saúde (CNS) e a data de nascimento. A outra, o nome de sua mãe. O preço da fraude por essa dose de vacina que nunca existiu foi fixado pelo golpista em R$ 300.
A pedido do golpista, às 18h16 da quarta-feira (8/3), a coluna enviou os dados de X. Às 18h25, reou o nome da mãe de X. Sete minutos depois, às 18h32, a fraude estava feita. Naquele instante, o aplicativo de X. ou a trazer uma dose de reforço de Pfizer em 12 de maio de 2022.
A dose falsa também consta no certificado emitido pelo app oficial. “Já está no sistema”, disse a pessoa, depois de mandar uma imagem do ConecteSUS de X, comprovando a alteração indevida.
No minuto seguinte, o interlocutor começou a cobrar os R$ 300. “Favor conferir e fazer o Pix na chave [email protected]”. Essa chave Pix está cadastrada no banco Itaú Unibanco em nome de Maria Eduarda Rodrigues, que não foi localizada pela coluna. A coluna apurou que a conta foi aberta há cerca de um ano.
Às 18h51, o interlocutor exigiu o dinheiro mais uma vez e fez uma ligação telefônica, que não foi respondida. Às 19h03, voltou a escrever: “Só me mandar o comprovante [do Pix]”. Percebendo que não foi atendida, a pessoa apagou todas as mensagens e disse às 20h10: “Cadê o comprovante????”. Um minuto depois, completou, em tom de ameaça: “Vai dar de espertinho? Não tente”.
A coluna registrou a ocorrência do esquema criminoso na Polícia Civil do Distrito Federal, que encaminhou o documento à Polícia Federal. A reportagem se dispôs a dar mais detalhes da apuração em possíveis investigações sobre a fraude.
Banco encerrou conta após ser informado de esquema
Procurado, o Itaú Unibanco afirmou ter encerrado a conta após ser comunicado do esquema criminoso pela coluna. O banco não respondeu se tomará outras providências sobre o caso. “O Itaú Unibanco esclarece que, assim que tomou conhecimento do fato, encerrou a conta em questão. O banco informa ainda que, na época, a conta foi aberta de forma regular, em linha com as regras do Banco Central”, disse o comunicado do banco.
Ministério da Saúde diz que vai abrir apuração
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que abrirá uma apuração depois da publicação desta reportagem, que detalha a fraude. A pasta disse ainda não ter identificado os indevidos ao sistema de imunização, e afirmou que os dados de vacinas são controlados diretamente por funcionários que trabalham em estados e municípios.
“O Ministério da Saúde não identificou nenhum o indevido ao sistema de dados sobre imunização, onde são registradas as doses aplicadas na população que aparecem de forma automática no Conecte SUS”, disse a nota, acrescentando: “Não é possível realizar registro de vacinação diretamente no ConecteSUS. O aplicativo não é um sistema de informação, ele espelha os registros realizados no sistema de imunização.”
A pasta disse também que bloqueia usuários suspeitos de usar o sistema indevidamente.
“A alimentação dos dados sobre vacinas aplicadas é feita diretamente por profissionais credenciados ao sistema e que trabalham nos estados e municípios. Qualquer denúncia ou suspeita de uso indevido dos sistemas de informação do SUS é investigada internamente pelo DataSUS (Departamento de Informática do SUS) e o cadastro do usuário imediatamente bloqueado. O Ministério da Saúde ressalta que não teve o às informações sobre a fraude relatada pelo Metrópoles – como data, horário, local ou usuário do aplicativo – e que assim que esses dados forem reados pelo veículo fará apuração dos fatos.”
Governo lançou nova campanha de vacinação
No último dia 27, o governo federal lançou o Movimento Nacional pela Vacinação, com o objetivo de aumentar os índices de vacinação no SUS. Lula foi vacinado nessa cerimônia pelo vice-presidente, o médico Geraldo Alckmin, com a dose bivalente da vacina. O novo imunizante, mais resistente às mutações do vírus, está sendo aplicado pelo SUS em todo o país.
Até 2014, a cobertura vacinal no Brasil costumava ar de 90%. Em 2021, o quadro bateu recordes negativos. Só 60% das crianças foram vacinadas contra hepatite B, tétano, difteria e coqueluche, que podem deixar sequelas e matar. A partir de 2019, a vacina contra a tuberculose ficou abaixo do recomendado.
Nesse período de retrocesso na saúde coletiva, o então presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares atacavam publicamente as vacinas. O governo da ocasião também atrasou propositalmente a compra de imunizantes contra a Covid no auge da pandemia. Até hoje, Bolsonaro diz que não se vacinou contra a doença. O cartão de vacinação do ex-presidente segue protegido por 100 anos de sigilo.