Análise: Paulo Guedes, Salles e Pazuello alimentam antibolsonarismo
Atuação dos três tem levado o presidente para um terreno perigoso
atualizado
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Todo governante, quando eleito, começa a trabalhar desde o primeiro dia em nome da reeleição. É natural: se não fizer um bom governo, ninguém vai reelegê-lo.
Ok, ok, Bolsonaro eleva isso à enésima potência. O ar performático, as frases de efeito, as declarações para causar. Tudo isso faz parte de seu DNA. O tensionamento é da natureza do presidente.
Essa característica foi fundamental para fazê-lo chegar ao Planalto. De lá para cá, nunca quis se moderar e iludiu-se quem pensou desse jeito. Faz pequenas gestos, mas sem nunca perder o norte — o permanente tensionamento, a divisão da sociedade, o nós contra eles, o ódio.
E é nisso que ele aposta para também conseguir levar 2022.
Mas isso agora pode ser o calcanhar de Aquiles do presidente, porque alimenta uma força crescente no país, que já é quase majoritária: a do antibolsonarismo.
Nos últimos dias, a atuação de dois ministros e um ex-ministro — ainda com ares de ministro — têm levado o presidente para um terreno perigoso.
Paulo Guedes, Ricardo Salles e Eduardo Pazuello têm impulsionado esse movimento, que pode ser determinante até para tirar Bolsonaro da disputa já no primeiro turno.
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Guedes deu uma entrevista à Folha de S.Paulo nesta segunda-feira, em que diz que irá para o ataque, ou seja, submeterá a economia à lógica eleitoral.
Falou em criar uma agenda social que atraia esse eleitorado para perto do presidente e mostrou que, com isso, a pasta sob sua gestão se despediu da técnica. Guedes mostrou ser um agente político disposto a fazer o necessário para reeleger o presidente.
O movimento é perigoso para Bolsonaro porque afasta dele o mercado financeiro e o empresariado, a elite econômica do país que, ao apoiá-lo, sinalizou ao restante do país que o capitão talvez fosse confiável.
Em 2018, quem fez a ponte de Bolsonaro com a Faria Lima foi Guedes. E agora pode ser ele mesmo, ao mostrar que topa tudo para reeleger o presidente, que romperá esse laço.
Já o encrencado Ricardo Salles está envolvido em um inquérito que investiga a suspeita de participação na exportação ilegal de madeira. Perdeu ainda mais a condição política de permanecer no cargo.

Mas por que Bolsonaro insiste em mantê-lo? Porque sabe que, após tirar Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, se tirar Ricardo Salles, terá mais um desgaste com a militância mais fiel a ele, a militância olavista, camada mais fanática dos bolsonaristas.
Com isso, além de afastar o eleitor preocupado com a falta de uma agenda ambiental, torna ainda mais evidente que combater a corrupção nunca foi algo que Bolsonaro levou a sério.
Um general que é cabo eleitoral
A ida de Eduardo Pazuello, um general da ativa, a manifestações de apoio a Jair Bolsonaro, como ele fez no Rio de Janeiro, no domingo, 23 de maio, seria um escândalo em qualquer sociedade em normalidade democrática — o que o Brasil não é faz tempos.
O competente ex-ministro da Saúde evidenciou que tem lado e assim manchou a já desgastada imagem do Exército, que se esforçou desde 1985 para se tornar apartidário, mas que, desde o governo Dilma Rousseff, tem se imiscuído na política.
E agora, quando Pazuello deveria ter sido punido imediatamente, anunciou apenas que irá apurar a situação.
Mas o ex-ministro estava lá, claramente, para pagar pela proteção que vem recebendo de Bolsonaro durante a I da Pandemia.
A aliança do “um manda e outro obedece” não mostra explicitamente quem ocupa qual espaço. Os dois tornaram-se um só. Pazuello sabe que, se entregar a cabeça do presidente, entregará a própria. Afinal, aceitou as ordens.
E o presidente sabe que não pode abandonar o ex-ministro e correr o risco de ver seus ditames expostos.
O problema é que a maioria do povo brasileiro prefere um Exército independente, como uma instituição apartidária — inclusive quem votou em Bolsonaro. Aqueles 57 milhões eram muito mais heterogêneos do que o senso comum supõe.
Guedes, Salles e Pazuello agindo dessa maneira mais atrapalham do que ajudam. Os fanáticos já estão conquistados por Bolsonaro para 2022 há tempos. Mas quem votou nele em 2018 movido pelo antipetismo está, conforme as pesquisas demonstram, mergulhando aos poucos num sentimento de rejeição tão ou mais forte quanto.