Os mais incríveis arquitetos do mundo não sabem ler nem escrever
Mamíferos, aves, insetos (e até protozoários) constroem seus abrigos com a matéria-prima que a natureza circundante lhes oferece
atualizado
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Os melhores arquitetos do mundo nunca se sentaram num banco de escola, muito menos leram um livro, não fazem a menor ideia de quem seja Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Lelé. Le Corbusier, para eles, parece nome de uma loja sa. Os mais incríveis arquitetos da Terra fazem arquitetura muito antes de os indígenas amazônicos montarem seus tapiris no meio da selva ou dos esquimós esculpirem seus iglus no deserto de gelo.
Todos os animais arquitetos já nascem Paulo Mendes da Rocha ou Lina Bo Bardi ou Alvar Aalto, pra ir buscar um bom exemplo na Finlândia. Animais de variadas espécies já nascem com a arquitetura escrita no corpo. Mamíferos, aves, insetos (e até protozoários) constroem seus abrigos com a matéria-prima que a natureza circundante lhes oferece. Tudo com economia, resistência, conforto, proteção e, aos olhos humanos, beleza.
Uma das primeiras arquiteturas de bicho que a criança descobre é a teia de aranha. Mal sabe ela que aqueles fios aparentemente frágeis têm, proporcionalmente, uma resistência e uma elasticidade muito maior do que a do aço, o material de construção mais resistente que o homem já descobriu. Nenhum sapiens arquiteto chega aos pés de um bicho arquiteto na engenhosidade com que constrói casas para si e seus bebês, abrigos feitos na medida exata de suas necessidades.
Os arquitetos da natureza não padecem do mal humano de construir moradias-ostentação, muito mais pra exibir do que para morar. Tudo na arquitetura animal tem uma razão funcional. E o espetáculo da forma se casa perfeitamente com a utilidade da função, sem disfarce. São meio modernistas, os arquitetos do mundo animal.
Há deles que cuidam com esmero da beleza de suas obras arquitetônicas. É o caso dos caramancheiros, pássaros nativos da Austrália que constroem edifícios coloridos e brilhantes como uma fantasia de escola de samba. Colhem tudo o que encontram – flores, folhas, galhos, palhas (e plástico e metal se houver) para construir estruturas que vão atrair as fêmeas. O macho faz o que for preciso para seguir perpetuando a espécie, vivem para manter a vida viva.
As colmeias são um dos exemplos mais visíveis da eficiência da arquitetura animal. Já se descobriu que os alvéolos dos favos de mel são construídos na exata inclinação para que o mel não derrame e com uma estrutura forte o suficiente para ar o peso da produção intensa das abelhas e delas próprias.
Acredita-se que os humanos aprenderem a transformar barro em cerâmica observando as vespas-oleiras amassarem com o bico e as patas a terra molhada da beira dos rios. O mais célebres dos arquitetos animais da América do Sul, o joão-de barro, a quase toda a vida envolvido na construção dos ninhos. Aos olhos humanos desavisados, parece uma caverninha com um cômodo só, mas lá dentro há três ambientes: a sala, um quartinho e um outro quarto mais escondido, destinado à incubação dos ovos. E os cupinzeiros? Cada um é uma cidade capaz de abrigar milhões de habitantes e duram séculos.
Há um livro clássico, de onde tirei boa parte dessas informações, chamado “Animais Arquitetos”, do arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa (Olhares, 2024), considerado um dos grandes pensadores contemporâneos da arquitetura. Ele concluiu o célebre estudo sobre os bichos mestre-de-obras dizendo: “A lição mais importante que podemos aprender com as insuperáveis maravilhas das construções animais é a da humildade, uma humildade da qual precisamos de vez em quando”.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.