Primo de Moïse revive trauma do Congo: “Nos matando como animais”
Chadrac Kembilu, primo de congolês assassinado na Barra, diz que família saiu da África e buscou refúgio no Brasil por ser um local seguro
atualizado
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Rio de Janeiro – O africano Chadrac Kembilu, de 26 anos, morou no Congo em uma região marcada por uma rotina de violentos conflitos. Presenciou muitas mortes, incluindo de pessoas próximas.
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Neste período, ele já convivia com o primo Moïse Mugenyi Kabagambe. Ambos fizeram a mesma escolha: mudar para o Brasil em busca de novas oportunidades.
Na semana ada, Chadrac reviveu um pesadelo africano ao descobrir que Moïse havia sido morto em decorrência de um espancamento a pauladas na orla da Barra da Tijuca, o bairro nobre da zona oeste carioca.
“A gente veio de uma guerra que até hoje está na minha memória. As mortes, o genocídio, os massacres estão ainda na minha mente. E essa tragédia que aconteceu com meu primo (no Rio de Janeiro) trouxe tudo isso de volta”, lamentou Chadrac, em entrevista ao Metrópoles.
Ele menciona a razão para a mudança de vida que o levou a vir para o Rio em 2013. Moïse veio dois anos antes.
“No Congo, a gente morava no interior. E ava por várias dificuldades por causa da guerra. Viemos para o Brasil por ser um local seguro”, pondera Chadrac. “E o Brasil está virando (um lugar) inseguro, nos matando como animais”.
O assassinato de Moïse
Moïse, de 24 anos, foi assassinado na segunda-feira (24/1), por volta das 22h, no quiosque Tropicalia, na orla da Barra.
Os parentes apresentam o mesmo argumento como possível motivação para o início da agressão: Moïse teria ido ao local cobrar por duas diárias de trabalho, algo em torno de R$ 200,00.
Em depoimento à polícia, o proprietário do quiosque negou atrasos em pagamentos. Alegou que Moïse já não trabalhava mais no local, e sim, no quiosque ao lado, o Biruta.
“Ele já está morto e sabem que não tem como falar. A nossa família sabe que Moïse era trabalhador. Foi uma covardia o que fizeram”, diz Chadrac.
O amigo Moïse Eureka, de 26 anos, é tratado como integrante da família por sua amizade como o xará Moïse Kabagambe. Ele critica aqueles que mencionam o fato de o congolês ter levantado uma cadeira antes de ser atacado. E pontua que ele estava cercado.
“As pessoas estão falando que ele pegou uma cadeira e o guarda-sol, segurou na mão. Claro, eram três contra ele sozinho”, diz o amigo.
Registro em câmera
No vídeo de câmeras de segurança do local, é possível ver Moïse abrindo um refrigerador e sendo contido. O homem segura um taco de beisebol.
Moïse tenta segurar uma cadeira e uma parte de um guarda-sol, mas, logo em seguida, desiste. Três homens imobilizam o jovem e o atacam a pauladas.
“Ele ficou lá jogado como um desconhecido. Como quem diz: ‘Não vale nada, é um preto, um animal'”, diz Chadrac, emocionado.
Ao comentar o vídeo do ataque a seu primo, ele menciona o sentimento de raiva: “Vontade de entrar na luta junto, contra esses covardes assassinos. Moïse tava sozinho. Eles (os acusados pelo crime) falam que não bateram para matar. Ele pediu socorro, bateu a mão três vezes no chão, mas ainda assim continuaram batendo”.
Chadrac conta que o primo morava com a mãe em Madureira, mas costumava também ficar com frequência em sua casa na comunidade de Barros Filho, na zona norte do Rio.
Após a perda que o fez reviver traumas, ele espera conseguir aqui o que dificilmente se alcançava no lugar onde cresceu: “Vamos ver se a Justiça daqui funciona de verdade”.