Covid-19: Ministério da Saúde usou 6,7% dos 46 milhões de testes prometidos
Apenas 3,1 milhões foram utilizados até o momento. Especialistas apontam falta de planejamento e lamentam consequências, como subnotificação
atualizado
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De um universo de 46 milhões de testes prometidos pelo Ministério da Saúde para detectar a Covid-19, a pasta aplicou, até o momento, somente 6,7% – o que pode colaborar para alta subnotificação. Segundo analistas da área, esse cenário é consequência de falta de planejamento.
Até o último sábado (4/7), quando foi divulgado o mais recente Boletim Epidemiológico, o órgão tinha aplicado 3,1 milhões de testes – 1,7 milhão de RT-PCR (molecular) e outros 1,4 milhão de testes rápidos (sorológicos).
Isso significa que, no máximo, 1,4% da população do país fez exame para coronavírus (sem considerar eventuais pessoas que precisaram se submeter a mais de um exame). O objetivo, no entanto, é testar um quarto (25%) dos 210 milhões de brasileiros. Atualmente, o Brasil faz 13,7 testes a cada 1 mil habitantes. Em termos de comparação, os Estados Unidos realizam 109 testes/mil hab. e Portugal efetua 124 testes/mil hab.
Uma das maneiras de entender se os países estão testando suficientemente é observar a parcela de exames que apresenta resultado positivo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere taxa positiva entre 3% e 12%.
A proporção de testes positivos para Covid-19 dentre os analisados é denominada positividade, que no Brasil está em 38,3%, o que indica falha na política pública de testagem. Essa taxa nos Estados Unidos está em 7,6%, ou seja, dentro da média. Os números são da Our World in Data.
Ampliação
No último dia 24 de junho, o atual secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros, repetiu, durante entrevista coletiva, que a pasta estava ampliando o programa de testes para alcançar a marca de 46 milhões de pacientes.
Esse dado havia sido divulgado, inicialmente, pelo então ministro da Saúde Nelson Teich. “A gente a de 24 milhões para 46 milhões de testes, que é um número bem significativo”, disse Teich, em vídeo publicado ainda no dia 20 de abril, ao anunciar um chamamento público. Alguns foram comprados e outros recebidos por meio de doações.
Desse total, 24,2 milhões são testes RT-PCR e 22 milhões, testes rápidos. Já em relação aos testes distribuídos, foram enviados cerca de 11,3 milhões aos estados (3,8 milhões de RT-PCR e 7,5 milhões, rápidos).
Desmanche
Ao Metrópoles, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta criticou o que avaliou como desmanche feito pelo presidente Jair Bolsonaro na pasta, que tem hoje pelo menos 17 militares, comandados pelo general Eduardo Pazuello, ministro interino desde que Teich deixou o cargo, em 15 de maio, pouco menos de um mês após assumir o posto. O ministério nunca esteve tão verde-oliva, nem mesmo durante a ditadura militar.
“A gente tinha uma estratégia bem clara, mas depois que retiraram a equipe do ministério… Uma coisa é você retirar o ministro e manter a equipe, mas trocaram o ministro e todos os secretários, como o Wanderson [de Oliveira], que cuidava dessa área [Vigilância em Saúde]”, disparou.
Mandetta acrescentou que esse “desmanche total” do Ministério da Saúde acabou dinamitando as políticas públicas formadas sobretudo na sua gestão.
“Tiraram as pessoas que trabalhavam e colocaram gente que não é técnica, que não é formada nessa área da saúde, sob o argumento de que a crise era uma crise de logística”, pontuou o ex-ministro.
Baixa testagem
O infectologista Leonardo Weissemann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), aponta que essa falta de testes é reflexo da atual gestão, que tem sido, segundo ele, pouco transparente em relação às ações a serem tomadas contra o vírus.
“Falta planejamento. Infelizmente, nós estamos sem uma liderança. Sem fazer uma testagem adequada, é impossível saber qual a verdadeira situação da pandemia no país e como os gestores devem planejar a adoção de medidas de combate”, frisa.
Além disso, explica Weissemann, a baixa testagem pode significar subnotificação da doença. “Então, esses 1,7 milhão de casos que estão sendo divulgados são, com toda certeza, bem mais na realidade”, afirma o especialista.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Saúde informou ter ampliado em 869% a capacidade de realização de exames na rede nacional de laboratórios de saúde pública (Lacen). Na 10ª semana após o início da pandemia no país, foram realizados 1.624 exames para Covid-19 a cada dia, segundo a pasta, e, na 26ª semana, que vai até 27 de junho, 14.567 testes diários.
“O aumento foi possível graças ao esforço dos profissionais que trabalham nos laboratórios e da disponibilidade de insumos e equipamentos”, analisou o órgão, sem mencionar que o número atual de testes segue baixo.
O ministério comandado pelo general Pazuello afirmou que muitos Lacens têm funcionado 24 horas por dia, sete dias da semana, e contado com a dedicação de milhares de profissionais para realizarem a testagem da Covid-19.
“Cabe destacar que as ações para expansão da capacidade de testagem continuam em andamento, com previsão de aquisição e distribuição de equipamentos, testes e insumos para distribuição aos estados e implantação da parceria público-privada que vai ampliar a capacidade de realização de testagem no país”, prosseguiu.
A pasta também foi questionada sobre como pretende aplicar o restante (93,3%) dos testes disponíveis, até quando isso deverá ser feito e quanto foi gasto na compra dos 46 milhões de testes, mas não respondeu. O espaço segue aberto.