Análise: aprovação de Aras representa vitória pessoal de Bolsonaro
Com anuência do Senado, o presidente conseguiu levar para o comando da PGR um procurador afinado com suas ideias sobre Lava Jato e ditadura
atualizado
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O Senado proporcionou nesta quarta-feira (25/09/2019) a maior vitória pessoal do presidente Jair Bolsonaro (PSL) desde a posse no Palácio do Planalto. A aprovação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República (PGR) tem a marca do chefe do Executivo e representa um triunfo significativo no jogo com o Congresso.
Embora a aceitação da reforma da Previdência pela Câmara também tenha sido um êxito do governo, as votações favoráveis atenderam a outros segmentos da sociedade. Ainda mais importante, a condução das negociações foi feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RS) e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro pouco ou nada contribuiu para esse feito.
O presidente fez um movimento pretensioso quando escolheu Aras, nome fora da lista tríplice votada pelo Ministério Público. Ao contrariar a corporação, no entanto, o capitão estabeleceu uma nova lógica que agradou boa parte dos senadores.
Desde a indicação feita por Bolsonaro, Aras demonstrou habilidade para lidar com o Parlamento. Nas visitas aos gabinetes, soube dizer o que os senadores queriam ouvir – e calar-se sobre o que lhe poderia prejudicar.
O novo procurador-geral da República encontrou as palavras certas, por exemplo, ao tratar da Operação Lava Jato. Não é preciso conhecer muito o Senado para saber que as investigações da força-tarefa de Curitiba e seus desdobramentos representam uma ameaça a boa parte do plenário.
É o caso do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), contrariado com a busca e apreensão feita em seu gabinete pela Polícia Federal. Qualquer sinalização de freio nesse tipo de situação tem apoio no Congresso.
Com estilo calmo e cordato, o baiano Aras posicionou-se em cima do muro. Defendeu a Lava Jato, mas ponderou que considera necessário evitar “excessos”. Com essa manifestação, mesmo sem se comprometer com qualquer medida contrária às investigações, o procurador deu o recado esperado pelos senadores.
Basta lembrar que as outras opções – os nomes da lista tríplice – eram apoiadas pelos integrantes das forças-tarefas para se dirimir qualquer dúvida sobre a conveniência da escolha para os políticos enrolados com a Justiça.
Importante lembrar que, nesses assuntos, Bolsonaro tem áreas de interesse comum com os congressistas incomodados a atuação do Ministério Público e da Polícia Federal. Assim como todos os envolvidos na Lava Jato, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, atua para abafar as investigações relacionadas ao ex-assessor Fabrício Queiroz.
Essas particularidades demonstram o faro certeiro de Bolsonaro na indicação do novo procurador. Ao mesmo tempo que baixou a crista dos procuradores mais engajados nas operações, o capitão mostrou aos senadores interesse em fazer parceria na resistência às investigações.
Embora tenha afirmado que não tem alinhamento com o Palácio do Planalto, na prática, Aras se revela afinado com Bolsonaro em todos os temas relevantes sobre os quais se manifestou. Isso vale, por exemplo, para a descriminalização das drogas e liberação do aborto.
Nesses dois temas, o novo procurador afirmou que as decisões devem ser tomadas pelo Congresso e, não, pelo Supremo Tribunal Federal. Essa é a posição do presidente e, também, do seu expressivo eleitorado evangélico.
Uma grande surpresa na sabatina foi a opinião em relação ao golpe militar de 1964. Aras produziu uma frase aparentemente sem sentido, mas mostra sua proximidade com o pensamento de Bolsonaro em uma tentativa de revisão histórica da quartelada que durou 21 anos.
“Célebre 31 de março”
“Discutirmos esse ponto sobre golpe de estado e revolução talvez não me pareça adequado nesse momento porque a história conta como ocorreu aquele célebre 31 de março”, disse o sabatinado ao responder a uma pergunta do líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP).
Ao escamotear o significado do golpe militar, Aras expõe seu alinhamento não só com Bolsonaro, mas também com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. O magistrado também demonstra dúvidas em relação ao caráter antidemocrático da tomada de poder pelos militares.
Sobre ao Anos de Chumbo, Bolsonaro, Aras e Toffoli revelam certo desconhecimento do doloroso processo de retorno do Brasil ao estado de direito. Para refrescar a memória dessas três autoridades responsáveis por zelar e cumprir a Constituição, recomenda-se lembrar uma frase pronunciada pelo deputado Ulysses Guimarães no dia da promulgação da atual Carta Magna.
“Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações”, afirmou o Dr. Ulysses.
O presidente da Constituinte não poderia ter sido mais claro. Ignorar o significado dessas palavras caracteriza traição ao espírito do texto promulgado em 1988. Nesse sentido, principalmente, a vitória de Bolsonaro no Senado foi inconteste.