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São Paulo – O anúncio, na última segunda-feira (11/1), sobre o fim da produção de veículos da Ford no país pegou o mercado de surpresa e gerou um movimento de caça a culpados para decisão montadora, que eliminará milhares de empregos. Serão fechadas três fábricas, em Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE).
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o encerramento das atividades da Ford deve chamar atenção dos governos para a criação de medidas que reduzam o custo Brasi”. A reforma tributária é citada também pela entidade como uma das medidas prioritárias para a “redução do principal entrave à competitividade do setor industrial brasileiro”.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), atribuiu a decisão da Ford à falta de credibilidade do governo federal e voltou a defender a necessidade de reformas.
Já o presidente Jair Bolsonaro criticou a montadora: “querem subsídios”. “Não queremos subsídios, queremos competitividade”, rebateu o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, em entrevista a jornalistas.
Economista e professor da PUC-SP, Antônio Carlos Alves dos Santos avalia que a decisão da Ford reflete mais as mudanças na indústria automobilística mundial – como o movimentos de fusão entre Peugeot e Fiat – do que os gargalos históricos da economia brasileira.
“Você tem a mudança no padrão tecnológico, que vai ser o carro elétrico. Além disso, no caso da Ford, ela vem redefinindo as prioridades, optando por ficar fabricar os produtos de maior lucratividade, como, por exemplo, o Mustang”, afirma.
Para o professor, o fato de a demanda no mercado consumidor brasileiro estar em queda há alguns anos, agravado devido à pandemia, e o encarecimento dos produtos, causado pela taxa de câmbio, podem ter antecipado a decisão da Ford de encerrar a produção no Brasil.
“Quando, em 2018, a Ford disse que só ia continuar fabricando Mustang, no Brasil ninguém pensou: peraí, e a produção brasileira? Deveria naquela época ter chamado a Ford e perguntado se iria deixar o Brasil. É importante discutir a reforma tributária, é importante discutir o custo Brasil, mas isso não alteraria a estratégia da Ford, que é comum ao mundo inteiro”, diz.
Na avaliação do economista, se o governo oferecesse subsídios, a Ford poderia decidir continuar com a produção local, mas por pouco tempo. “Quando você tem uma estratégia dentro da indústria automobilística, você não pensa em curto prazo, pensa em médio e longo prazo. Então, dentro da estratégia da Ford de médio a longo prazo, ficar no Brasil não faria muito sentido”, afirma.
Embora possa ser uma decisão mais estratégica da Ford, a economista Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, vê o encerramento da produção local como um sinal de alerta para a necessidade reformas no país.
“A Ford é o ícone de que o Brasil precisa fazer reforma estruturantes, que alavanquem a sua produtividade e permitam alargar a capacidade produtiva da economia. Não estou justificando a decisão da empresa, que tem várias causas. Agora, vamos fazer o nosso dever de casa. O que isso traz de alerta é que nós temos uma economia muito difícil para se produzir qualquer coisa”, diz.
Segundo a professora, tornar o país mais competitivo a por reforma tributária, abertura da economia, investimentos em infraestrutura e formação de mão de obra. Para Gutierrez, o Brasil vem perdendo participação relativa no PIB mundial há anos, o que é um sinal de baixa produtividade devido ao alto custo tributário.
“O Brasil tem segunda a maior carga tributária em relação ao PIB na América Latina, só é ultraado por Cuba, que tem 45%. A média da região é de 20%. A nossa carga tributária é de quase 34%. Isso é um fator de perda de produtividade e de custo”, acrescenta.
A especialista destaca ainda que o Brasil tem uma economia fechada, o que tira sua competitividade, por dificultar que empresa instaladas aqui em as cadeias globais de produção, com insumos mais baratos e tecnologia de ponta. “Há muitas frentes em que o país precisava avançar muito para ganhar competitividade e produtividade”, afirma.
Subsídios
Os economistas também defendem a revisão da política de subsídios, que totalizaram, em 2019, R$ 348,3 bilhões em recurso financeiros, creditivos e tributários concedidos pela União. Entre 2000 e 2021, somente a indústria automotiva foi beneficiada com R$ 69,1 bilhões em incentivos fiscais, em valores corrigidos pela inflação, segundo dados publicados pela Folha de S.Paulo.
“Isso é uma enormidade que o governo não arrecada, seja em forma de desoneração, seja na forma de subsídios. O Brasil tem que rever isso. Todos os países adotam subsídios, mas não nessa mesma intensidade. Imagina isso na educação, na saúde. A sociedade está pagando por isso”, afirma a professora da UFRJ.
Para a economista, o “erro” do Brasil é tentar compensar o elevado custo de produção concedendo subsídios a setores como a indústria automobilística. “Produzir no Brasil custa muito caro, então você começa a dar subsídios para ver se atrai alguma empresa.”
“Há no Brasil uma falsa oposição entre Estado e mercado. De vez em quando, subsídio é bem-vindo? Ele é bem-vindo. Tem que perguntar quando, por que e qual é finalidade. Temos que ter pragmatismo germânico”, acrescenta o professor da PUC-SP.
No caso do setor automotivo, para o economista, não faz mais sentido transferir recursos dos contribuintes, em país com tantos problemas sociais, para subsidiar uma grande empresa com o ao mercado de crédito mundial. “Isso fazia sentido nos anos 1950, quando você tinha uma indústria nascente. Cá entre nós, a indústria automobilística não é uma indústria nascente que precisa de proteção”, diz.