Caso do Capitólio, nos EUA, dá pistas sobre futuro da direita no Brasil
Inelegibilidade e prisões: o que a invasão ao Congresso dos EUA pode indicar sobre possíveis consequências de terrorismo em Brasília
atualizado
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“Lula roubou as eleições. Os brasileiros sabem disso”. Com esta frase, Steve Bannon, ex-estrategista do presidente americano Donald Trump, reforçou a similaridade entre os episódios de vandalismo na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e a invasão do Capitólio, nos EUA, em 2021.
Bannon publicou a declaração em uma rede social de extrema direita chamada Gettr, às 19h37 do dia em que a democracia brasileira sofreu um dos piores ataques desde o fim da ditadura militar.
Especialistas e observadores internacionais entrevistados pelo Metrópoles apontam similaridades entre os movimentos bolsonaristas, no Brasil, e trumpistas, nos Estados Unidos. Essas semelhanças, inclusive, podem dar indícios dos próximos os da direita no Brasil após o caso de terrorismo na capital do país.
“Depois da invasão ao Capitólio, a extrema direita americana saiu enfraquecida. Antes com a maioria dos deputados republicanos, agora Trump conta com uma minoria isolada. No Brasil, a tendência é que as pessoas se afastem da imagem desgastada de Bolsonaro e procurem novas caras para a direita”, destacou o cientista político Guilherme Casarões, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.
Nos Estados Unidos, o episódio rendeu a abertura de um processo de investigação de dois anos, o maior e mais complexo da história da Justiça americana. Mais de 950 pessoas chegaram a ser indiciadas, das quais 192 foram sentenciadas à prisão, segundo dados do FBI de 4 de janeiro deste ano. Grande parte das condenações envolve penas de até três anos por invasão de espaço público sem permissão.
Outras 350 pessoas envolvidas nos atos violentos estão foragidas no país, incluindo um homem investigado por colocar uma bomba próximo ao Congresso estadunidense durante o evento.
Enquanto isso, no Brasil, dos 1.459 extremistas detidos, 740 tiveram a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva e 335 pessoas obtiveram liberdade provisória mediante medidas cautelares. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pretende concluir as audiências de custódia dos acusados de participar dos atos de vandalismo até esta sexta-feira (20/1).
Nos Estados Unidos, em contrapartida, o dia exato do episódio no Capitólio terminou com 14 prisões decretadas, segundo levantamento do jornal USA Today.
“A resposta da Justiça brasileira está sendo rápida, o que permite que aquele movimento incendiado freie, pelo medo de ser punido. As pessoas estão se dispersando, porque viram as consequências chegando”, avalia Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Ele alerta, no entanto, que novos bloqueios de rodovia podem ser promovidos por extremistas como uma estratégia de “manter a sensação de caos contínuo”.
Inelegibilidade para eleições
Nos Estados Unidos, Donald Trump corre o risco de ficar inelegível para as eleições de 2024. Durante investigações conduzidas pelo parlamento americano, uma comissão de sete deputados – cinco democratas e dois republicanos – apresentaram quatro acusações contra o ex-presidente americano diante do Departamento de Justiça.
No documento, Trump é acusado dos crimes de obstrução a procedimentos oficiais; conspiração para fraudar os Estados Unidos; conspiração para fazer alegações falsas; e insurreição.
Parte das acusações encontraram fundamento no depoimento de uma ex-assessora do republicano. Cassidy Hutchinson confirmou à investigação que Donald Trump estava disposto a ir até o Capitólio e se juntar aos seus apoiadores horas antes da invasão, mas foi impedido pela equipe de segurança.
Soma-se a isso o discurso polêmico do político americano sobre a vitória de Joe Biden, que cita, diretamente, uma caminhada até o Capitólio.
“Vamos caminhar até o Capitólio (…) porque nunca vamos tomar de volta nosso país com fraqueza. Você tem que mostrar força, e tem que ser forte”, afirmou a uma multidão de milhares de apoiadores.
Se condenado, o republicano pode receber pena de mais de 10 anos de prisão e ser impedido de participar das eleições.
“Existe esse esforço para tornar Donald Trump inelegível para a corrida presidencial de 2024. Mas existe um perigo nisso: caso ele fique proibido de concorrer, existe um reforço da narrativa do mártir, da vítima perseguida, e o trumpismo pode voltar a ganhar força”, destaca Guilherme Casarões.
“Foi o que aconteceu na tentativa de impeachment sem sucesso de 2021 depois do episódio de invasão ao Capitólio. Donald Trump saiu muito mais forte daquele momento”, completa.
Para o cientista político, o mais provável é que haja um movimento dentro do Partido Republicano para que Trump perca nas primárias, fase em que cada partido realiza votações internas para decidir quem será o representante nas eleições presidenciais.
“No caso do Brasil, as coisas são um pouco diferentes. Bolsonaro não estava no país, é mais difícil de relacioná-lo à invasão ao Congresso”, opina Roberto Goulart, da UnB. “Mas existe a possibilidade do governo brasileiro fazer o pedido de extradição para que ele possa ser interrogado”.
A possibilidade ganhou força depois que a Polícia Federal encontrou, na casa de Anderson Torres, um documento com o planejamento de uma tentativa de golpe, com o objetivo de decretar um “Estado de Defesa” e anular o resultado das eleiçõespresidenciais de 2022.
Casarões alerta que a repetição do cenário americano no Brasil pode dar mais força política a Bolsonaro, assim como aconteceu com Trump. “Se ele [Bolsonaro] for condenado à prisão, ou perder os direitos políticos, as chances da ala bolsonarista extremista voltar às ruas é grande”, afirma.
O futuro dos movimentos de direita
Em novembro de 2022, as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos mostraram os reflexos diretos da invasão ao Capitólio na eleição de novos líderes de direita para o congresso e para o senado.
Os políticos americanos esperavam uma “onda vermelha” na renovação das 435 cadeiras da Câmara dos Representantes e de ⅓ das 100 vagas para o Senado. Mas não foi isso que aconteceu: 50 assentos do Senado foram para democratas, contra 49 republicanos. Na prática, significa que a casa tem maioria do partido do presidente Joe Biden.
“Os líderes do Partido Republicano encaram que Donald Trump teve um papel fundamental nessa derrota, já que boa parte das pessoas que ele apoiou diretamente perderam as vagas nessas eleições de meio de mandato. E muito disso está relacionado ao caso do Capitólio. As pessoas não olharam com bons olhos”, relembra Casarões.
De acordo com o cientista político, os republicanos buscam novas lideranças menos extremistas para reconquistar os eleitores de direita, movimento que também deve ser adotado no Brasil.
Robert Goulart cita caso do estado da Georgia, nos Estados Unidos. “Ele é um estado americano tradicionalmente conservador. Mas, em 2022, as duas cadeiras do estado foram para democratas, porque os candidatos republicanos eram diretamente apoiados por Trump”, diz.
Para o professor, a invasão aos Três Poderes, em Brasília, deixou a imagem de Jair Bolsonaro desgastada por um tempo, mas é possível que outros nomes abracem a ala da extrema direita, principalmente com a ausência do ex-presidente no Brasil.
“Nomes como Hamilton Mourão e Bia Kicis são possíveis novos representantes desse movimento”, avalia.