A moeda, o voto e a lei (por Luiz Paulo Vellozo Lucas)
Aumentou de R$ 14,8 bilhões no final de 1994 para R$440,9 bilhões em fevereiro de 2025 a quantidade de moeda em circulação
atualizado
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Gustavo Franco publicou em 2017 “A Moeda e a Lei. Uma história monetária brasileira 1933-2013”. Desde o fim do padrão ouro foram oitenta anos de história, oito padrões monetários, cinco congelamentos de preços, confiscos, crises, momentos de euforia, e muitas batalhas para ordenar a moeda nacional, evitar abusos e estabilizar seu poder de compra. A história contada por Franco segue a evolução das instituições e a letra da lei, na fronteira entre a economia e o direito lembrando que, segundo Douglas North, as instituições são as restrições formais e informais criadas pelos homens para regular a competição política, a vida econômica e as interações sociais.
A base monetária brasileira, que representa a quantidade de moeda em circulação e as reservas bancarias, aumentou de R$ 14,8 bilhões no final de 1994 para R$440,9 bilhões em fevereiro de 2025, representando um crescimento de aproximadamente 30 vezes. As empresas listadas em bolsa no Brasil que valiam US$ 98,8 bilhões em 1994, em 2025 valem US$ 699 bilhões ou sete vezes mais em dólar. A moeda estável é o tijolo da economia e a geração de riqueza no Brasil demonstra o tamanho da construção que foi possível edificar no país depois do Plano Real.
O voto popular é o tijolo da política e da democracia. A campanha das Diretas Já entre 1983 e 1984 marcou o inicio da construção da democracia e do sistema politico eleitoral que sucederia o regime militar, onde o poder do voto popular era a uma franja estreita na estrutura do estado brasileiro enquanto o alto comando das forças armadas, com cerca de 35 oficiais da mais alta patente era o centro do poder de fato, de onde emanavam todas as decisões. A eleição direta para Presidente da República representava dar ao voto popular o poder da decisão mais importante: a escolha do presidente.
A força desta crença se manifestou no plebiscito de 1993 onde o presidencialismo derrotou o parlamentarismo por larga margem (55,2% a 24,6%). A falta de confiança nos políticos em geral se manifesta de forma diferenciada nas eleições majoritárias para os cargos executivos, prefeito, governador e presidente que vitoriosos se tornam mitos, celebridades, amadas e\ou odiadas na vida social. O papel dos parlamentos, nos três níveis e sua relação com o interesse público e a normatização da vida em sociedade é contaminado pelo sentimento anti sistema, causa maior da desconfiança. O voto distrital, simples ou misto, traria uma ressignificação da política pela maior aproximação com o eleitor e pela qualificação do papel dos parlamentos.
Valorizar o voto popular e resgatar a confiança na política e nos políticos significa fazer crescer o capital cívico da sociedade, isto é, da sua capacidade de cooperação e engajamento responsável pelo interesse coletivo. A tremenda inclusão informacional proporcionada pelas novas tecnologias digitais, também trouxeram muito lixo e mitologias tóxicas que poluem os valores civilizatórios e alimentam a desconfiança.
O Brasil foi capaz de edificar em algumas décadas, percorrendo um caminho de aprendizado com muitos tropeços, as instituições legais que dão e a uma moeda nacional estável que permitiu a geração de riqueza e avanços sociais muito importantes. Precisamos fazer a mesma coisa com o voto popular e com o sistema político que organiza a luta pelo poder nos marcos do nosso estado de direito democrático.
Trata-se de elaborar e perseguir uma agenda de reformas institucionais que permita superar a judicialização da política e a politização da justiça. Faces de uma mesma moeda pouco confiável.
*Engenheiro de Produção. Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Ex-Prefeito de Vitória-ES. Membro da ABQ-Academia Brasileira da Qualidade.